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Fact Check Madeira

Acesso de deputados e jornalistas a locais públicos é semelhante?

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As restrições do acesso dos profissionais da comunicação, na freguesia do Curral das Freiras, durante os incêndios, mais precisamente nos dias 17 e 18 deste mês, motivaram uma queixa da Direcção Regional da Madeira do Sindicato dos Jornalistas que denunciava as dificuldades colocadas ao trabalho dos meios de informação.

Os jornalistas foram afastados de um local onde estavam os moradores que iriam voltar às casas, de onde tinham sido retirados para tratar de animais e recolher roupa e comida. O SJ também referia o facto de, ao contrário dos jornalistas, um deputado do Juntos Pelo Povo, Élvio Sousa, não ter sido impedido de circular no mesmo local.

Estes episódios têm duas questões de fundo que justificam esclarecimentos. Desde logo, o condicionamento do acesso às fontes de informação e aos locais de interesse jornalístico – direito garantido pela lei -, mas também a diferença de tratamento de que foram alvo os profissionais da comunicação social e os deputados.

E é neste segundo caso que podem estar erros de avaliação, sobretudo nos comentários que se seguiram aos protestos, amplamente justificados, do Sindicato dos Jornalistas. Muitos comentários acusavam a Polícia de ter tratamentos diferentes para jornalistas e políticos, o que era considerado um crime.

A explicação para tratamentos diferentes está, desde logo, na Constituição da República, no Estatuto Político Administrativo da Madeira, no Estatuto dos Deputados e no Estatuto dos Jornalistas. Todas estas leis definem, e repetem, os direitos e deveres de deputados e jornalistas e desenham o quadro em que podem circular sem restrições, mesmo em locais vedados ao público. E é aqui que surgem diferenças.

No caso dos deputados da Assembleia Legislativa da Madeira, o Estatuto Político-Administrativo determina, no seu artigo 24º, na alínea b), que têm “livre trânsito em locais públicos de acesso condicionado, no exercício das suas funções ou por causa delas”.

No Estatuto dos Deputados da Assembleia da República é referido que os deputados têm “livre trânsito, considerado como livre circulação em locais públicos de acesso condicionado, mediante exibição do cartão de deputado”. O Estatuto Político-Administratico da Madeira determina que os deputados regionais têm os mesmos direitos dos deputado à Assembleia da República, pelo que estas duas leis apenas reforçam esse direito.

Ou seja, um deputado, desde que se identifique, tem livre acesso a praticamente todos os locais, desde que não estejam em causa situações de segurança, risco para o próprio ou para terceiros. No caso concreto do Curral das Freiras, era entendido que não haveria risco para deslocação das pessoas às suas casas, pelo que se pode entender que o mesmo aconteceria com o deputado.

Além deste direito de livre acesso, a PSP também entende que, quando o deputado do JPP se deslocou ao local que posteriormente seria vedado aos jornalistas, a situação dos incêndios era mais favorável.

No caso dos jornalistas, o livre acesso a locais públicos está previsto e tipificado no seu Estatuto, uma lei de 1999 entretanto alterada em 2007 e que determina que, no seu artigo 9.º que “os jornalistas têm o direito de acesso a locais abertos ao público desde que para fins de cobertura informativa”, um direito que é “extensivo a locais que, embora não acessíveis ao público, sejam abertos à generalidade da comunicação social”. Ou seja, se fosse admitido o acesso a um órgão de comunicação, todos os outros teriam o mesmo direito. Este disposição legal, contraria qualquer intenção de, em situações como os incêndios, privilegiar um órgão de comunicação social em relação aos outros, desde que estes também tenham requerido o acesso os mesmos locais.

Recomendação sobre o direito de acesso a locais públicos

 22/09/2023 O Secretariado da Comissão da Carteira Profissional de Jornalista (CCPJ) tem vindo a receber cada vez mais denúncias de jornalistas que relatam o impedimento, permanência e ou restrições no acesso a locais públicos, ou na generalidade abertos à comunicação social, para realização de trabalho profissional sem que sejam apresentadas justificações plausíveis e enquadradas na lei.O [...]

No artigo seguinte (10.º) é referido que “Os jornalistas não podem ser impedidos de entrar ou permanecer nos locais referidos no artigo anterior quando a sua presença for exigida pelo exercício da respectiva actividade profissional, sem outras limitações além das decorrentes da lei”. E é precisamente o final deste artigo que pode ‘defender’ a posição a PSP que diz ter agido a pedido da Protecção Civil que pediu a retirada dos jornalistas por motivos de operacionalidade no local. Não por motivos de segurança, porque os riscos, a existirem, seriam os mesmos para os moradores, para os jornalistas e deputados, mas apenas por uma questão de desimpedir o local.

No mesmo artigo 10º do Estatuto é referido, no ponto 5, que “os jornalistas têm direito a um regime especial que permita a circulação e estacionamento de viaturas utilizadas no exercício das respectivas funções”.

Estas disposições legais mostram que os jornalistas têm direitos de livre acesso – o não cumprimento da lei pode implicar penas de prisão ou multas para as entidades públicas -, mas que este é menos efectivo do que o dos deputados.

No caso dos parlamentares, recusar o acesso a um local é muito difícil e obriga a justificações de segurança que não se poderiam limitar à vontade da Protecção Civil de libertar espaço para a circulação dos moradores. Um argumento que também não deveria ser suficiente para retirar jornalistas.

"Estamos em condições de confirmar que houve efectivamente restrição aos acessos, por pedido expresso da Proteção Civil, que pretendia ter liberdade de actuação e garantia de perímetro de segurança, de forma a que a população residente pudesse retirar os seus bens, alimentar os seus animais e que os mais renitentes estivessem preparados para evacuação de emergência", adiantou a PSP, numa resposta escrita à agência Lusa.

Quanto à outra situação, na Fajã dos Cardos, a PSP diz que se reporta a segunda-feira.

"Naquele local, a Proteção Civil solicitou que na zona onde se encontravam os órgãos de comunicação social, deveriam apenas permanecer moradores, de forma a que pudessem retirar os seus bens e acudir aos moradores mais necessitados e debilitados, já que os demais presentes que se encontravam naquele local estavam a condicionar as operações de combate aos incêndios e nessa zona ocorreria dentro de momentos a concentração dos restantes meios que se concentrariam para atacar aquela frente do incêndio, sendo consequentemente aumentado o perímetro de segurança", esclarece a força policial.

Sobre a presença no local do deputado do JPP, a PSP afirma que, na altura em que esteve no local, a situação não era tão grave, "não tendo sido vedados acessos aos órgãos de comunicação social para se deslocarem ao mesmo local onde se encontrava o parlamentar".

Acesso de deputados e jornalistas a locais públicos é semelhante?