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Crónicas

O problema da culpa

É o líder que agora domina e subjuga os outros da mesma forma como foi dominado e subjugado. É a pessoa que foi negligenciada, vítima de bullyuing, agredida na infância e que, na idade adulta, decide cobrar isso aos que estão à volta

Por (ainda) sermos uma sociedade judaico-cristã tendemos a instalar, a apontar e a sentir - demasiadas vezes - culpa. É preciso algum (provavelmente, muito!) trabalho de casa, pessoal, para evoluirmos da culpa à responsabilidade. Isso, ou termos a ‘sorte’ de viver com pessoas que dela são exemplo.

E a responsabilidade anda de mãos dadas com a liberdade. É ela um dos dons mais preciosos do ser humano. É a capacidade de autodeterminação que nos permite fazer escolhas, tomar decisões na nossa vida pessoal e social. Somos protagonistas da nossa história. Não existe liberdade sem responsabilidade. Quando agimos de forma livre, consciente e voluntária, sem sermos forçados pelas circunstâncias, devemos assumir a responsabilidade pelas nossas ações e omissões. Sem desculpas!

Diz-me a experiência pessoal e profissional que assumir responsabilidade é um dos pilares de uma vida harmoniosa. Nisto tudo, há quem a assuma por escassez e quem a assuma em excesso.

Por escassez, encontramos aqueles que se perdem na preguiça, nas manias, nos egos, nos desejos e nas fugas. Escondem-se em discursos recheados de omissões, distorções e generalizações. O mais certo é acabarem mal-acompanhados ou sozinhos.

Por excesso estão aqueles que se perdem a querer controlar o que não depende de si, arrastados pela necessidade de validação e aprovação externas. Acabam a carregar o peso do mundo, a comprar guerras que não são suas, a assumir cargas desnecessárias. A empregar e a desperdiçar a sua energia vital no que não podem controlar.

Também me parece claro que, dependendo do contexto e das variáveis, há momentos da vida em que podemos oscilar entre uma e outra. No fundo, fazemos todos o melhor que podemos e sabemos a cada momento, com os recursos aos quais conseguimos aceder, a cada instante.

Para ser verdadeiramente enraizada, a responsabilidade pede humildade. A humildade de quem reconhece os seus pontos fortes e fracos, os seus próprios limites. E isso pede consciência. Muita. Mas não basta identificar.

Só quando comecei a estudar neurolinguística e depois frequentei a certificação em trauma, no HeartMath Institute é que clarifiquei que: primeiro ganhamos consciência de quais são as nossas feridas e a seguir fazemos o nosso trabalho interior de acolher, integrar e transcendê-las (e pode ser necessário recorrer a ajuda especializada credenciada). É assim que deixamos de projetar nos outros aquilo que é nosso. Esta é a forma de interromper o ciclo de que alguém foi vítima.

É fácil perceber na prática. Há, por exemplo, quem pareça viver em estado de guerra, consigo, com os outros, com o mundo. É que se isso não acontecer, estas pessoas não se sentem vivas, não se reconhecem. Parece que procuram experiências de exclusão, rejeição, abandono, humilhação, injustiça. E curiosamente, embora protestem, embora se indignem, é esse lugar onde voltam sempre, fazendo parecer ser impossível ser de outro modo. E com o passar do tempo tornam-se elas próprias as agressoras. É uma espécie de compensação inconsciente, de ajuste de contas com o mundo e com a vida. Como é que validamos isso? Porque estas pessoas, em vez de investigarem, reconhecerem e cuidarem das suas necessidades, sentem-se justificadas a praticar todo o género de crueldades – mesmo quando têm efeitos diretos ou danos colaterais contra si próprias. E tudo isso perpetua o ciclo de violência. Prepetua o ciclo do mal.

Há os que vivem nas suas fortalezas interiores, agarrados ao que conhecem, tomados pelo ressentimento, pelo desejo de vingança, pela raiva, pelo ódio, pela toxicidade que se alastra por dentro e por fora na sua vida e vai deixando um rasto de destruição. Sofre sempre o mais vulnerável, mas chega a todos.

É urgente reconectar com a empatia, retomar a curiosidade sobre outros pontos de vista, voltar à palavra ‘obrigada’. Olhar para o outro com igual valor e dignidade. Isso e perguntar: o que é mais importante agora? O que funciona agora para o todo?

Assumir responsabilidade não é um acto de nobreza, é um gesto de humanidade.