Com a Virgem não se brinca
- Ainda bem que te estou a encontrar, estava louquinho para desabafar.
- Acredito. Incêndios de um lado, guerras num outro, acidentes vários, leituras tristes em tvs e diários, e mais o que se vê e ouve, está a dar connosco em loucos. E, realmente, para a nossa cabeça arejar não há como encontrar alguém para falar.
- É verdade. Este mundo está perigoso, roça, às vezes, o asqueroso. Mas não era dele que te queria falar, mas de uma festa que, cá na terra, acabou de se realizar.
- Já estou a calcular. A Festa do Monte, (como se costuma dizer) que todos os anos fazes questão de aparecer?
- É verdade. Só que este ano não fui ver a procissão e ao que parece não apareceu, quem nos últimos anos aparecia e isso anda-me a criar uma mania.
- Já sei onde queres chegar e acho o que sentes muito natural. A falta na procissão do Sr. Presidente do Governo Regional.
- Exatamente. Só que a razão apresentada foi verdadeira, mas não foi bem explicada. Cá para mim, houve mão de Nossa Senhora nessa jogada.
- Não estou a perceber, troca isso por miúdos para eu entender.
- Os ventos naquele dia e naquela hora, por Nossa Senhora foram mandados para que o aeroporto fosse mesmo encerrado. Enquanto aquele assunto que o Sr. Presidente tem na Justiça não for devidamente esclarecido e resolvido, a Virgem decidiu retirá-lo da sua lista de convidados e amigos.
- Ena,pá. Se isso é verdade, é mesmo grave.
- Não precisas confirmar com algum Zandinga. Com a Virgem não se brinca!
- Nesse caso, talvez fosse melhor ter ganho as eleições o outro candidato?
- Estás enganado. Para esse senhor o aeroporto também era encerrado. Se ele morresse agora - dessa desgraça o livre Nossa senhora - antes de entrar no Céu, teria que passar uns tempos no purgatório, para expiar os pecados das “contas que também tem cá no cartório”.
- Para além daquilo que se sabe, só o facto de tirar os velhinhos da cidade e pôr rapazes novos e de meia-idade, ninguém lhe perdoava, nem por um ato de caridade.
- Como estamos sós eu vou contar-te um segredo, mas fica cá entre nós. Quando soube que ele se candidatava a presidente eu tomei uma decisão de repente. Fui ter com o meu avô Umbelino e minha avó Carlota e disse-lhes que se aquele senhor vencer, a primeira coisa que têm a fazer, é o carro vender e comprarem uma mota.
Aí podem estacionar à vontade em qualquer ponta da cidade.
- Exato. Até se no Mercado dos Lavradores quiserem fazer compras – Claro, o que a mota levar - têm um espaço privado para parar.
- Pois. Meus avós entenderam as minhas razões e, sabes, até rezaram para que ele ganhasse as eleições. E, segundo a minha avó Carlota, dentro de pouco tempo teríamos a cidade no mundo onde os velhinhos andavam mais de mota.
- Ir a um mercado que, não tem parque de estacionamento, e haver quem possa lá parar e estar permanentemente, foi decisão de alguém muito inteligente.
- Isso foi, realmente. Bom, até breve, amigo, foi um prazer desabafar contigo.
Juvenal Pereira