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Crónicas

O incêndio e a gestão da comunicação

Um incêndio é uma coisa muito séria que não pode nem deve servir de arma de arremesso político

Um incêndio tem sempre um impacto brutal na população. Quem já esteve perante um não se esquece da força das chamas, do barulho assustador que precede o silêncio e a sensação de perigo que vem acompanhada da diminuição da capacidade de respirar. Um dos fenómenos que ficam para sempre na memória é a rapidez com que devoram o que lhes aparece pela frente e a capacidade das fagulhas que são libertadas irem parar a muitos metros de distância o que provoca muitas vezes novos focos e adversidades. Sempre que nos deparamos com um grande incêndio como é o caso deste que lavra há mais de uma semana na Madeira somos confrontados com uma série de opinadores (não confundir com os especialistas na matéria) que aparecem com soluções milagrosas e táticas infalíveis como se fosse fácil lidar com uma situação destas. É no entanto quem está no terreno que percebe efetivamente da matéria e que tem que tomar decisões, muitas vezes difíceis e envoltas em muita tensão.

Um incêndio é uma coisa muito séria que não pode nem deve servir de arma de arremesso político nem palco para sensacionalismos estéreis sob a desculpa do direito à informação. Houve muita coisa errada neste processo mas pelo que ouvi de quem realmente percebe do assunto a forma como se tem combatido não foi uma delas. Vemos incêndios grandes que duram semanas um pouco por todo o mundo. Muitas vezes as condições acidentadas do terreno, a falta de acessos ou dificuldade de atuação dos meios aéreos faz com que a questão não seja a da quantidade de efetivos mas sim a estratégia primeira que permita uma defesa de propriedades, culturas e sobretudo vidas humanas. E nesse aspeto este combate não falhou. Arderam sim vários hectares de mato que prejudica o ecossistema e a beleza da nossa ilha mas o essencial foi protegido como foi inclusive o caso da Laurissilva.

O erro aqui, no meu entender, pode-se dividir em vários planos. Primeiro ao nível da comunicação de quem está a comandar as operações. Há que dar explicações à população do porquê de se tomar esta ou aquela decisão mas também ir para o terreno dar força a quem teme pela sua segurança e quem está na primeira linha de combate. Como tal, não fica bem voltar para férias quando as pessoas vivem momentos de aflição por muito que a presença pouco ou nada vá acrescentar. Depois parece-me pouco ético a meio do processo tentar um aproveitamento político da situação. A quem não está no poder exige-se sentido de Estado e respeito pela situação difícil. Há tempo no fim para apurar responsabilidades e pedir explicações. Finalmente, em relação à comunicação social acho que não se deve confundir a liberdade de informação com o atrapalhar da operação no terreno e vi situações durante esta semana que vão muito para além do que é o direito de informar na ânsia de dar primeiro e de estar em cima do acontecimento.

Acreditando em quem percebe do assunto, não seriam mais efetivos que conseguiriam debelar o incêndio de forma mais rápida, ainda assim, como gestão comunicacional teria sido mais fácil para o Governo Regional ter aceite de imediato a ajuda que foi oferecida a nível nacional. Dessa forma ter-se-iam livrado do “e se?”. Ainda assim considero que o balanço é francamente positivo. Quando se poupam vidas e se protege o seu património o principal pode-se considerar assegurado por muito que haja quem nos queira fazer crer do contrário. Uma palavra final para quem passou os dias na televisão a comparar este incêndio ao de Pedrogão Grande. Isso sim é criminoso e uma falta de respeito pelas vidas que se perderam nessa altura. Há por aí muita gente que estava tão bem calada… Fica no entanto o registo e a aprendizagem de que muitas vezes a comunicação e a forma como ela se gere são fundamentais para a percepção pública e ela deve acompanhar da mesma forma as operações para que a imagem que passa não seja a errada e para que não se dê espaço a especulações.