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Da saga, os incêndios...

Se ao longo dos últimos dias foi descoberto um conjunto significativo de “treinadores de bancada”, pôde-se ficar a saber que os jogadores em campo, nesta determinada circunstância, não disponham das qualidades necessárias à posição que ocupam.

Confesso, caro leitor, que ao escrever este texto não me ocorria por onde começar, tantas são as considerações que aquilo que aconteceu recentemente merece. Antes de mais, importa dizer que a abordagem desta matéria, pelo menos no que a mim diz respeito, será sempre política e não técnica – quanto a esta última, deixarei aos ilustres peritos que dirão de sua justiça, e não contribuirei para a trupe de “tudólogos” que invade cancerigenamente as redes sociais – átrio aberto da estupidificação dos que opinam com uma breguice e mediocridade próprias da demagogia mais primária e retrógrada.

A nossa débil Democracia, com apenas 50 anos de existência, deu-nos já uma lição muito básica: quem assume altos cargos políticos encerra em si um conjunto de responsabilidades que são previamente conhecidas antes da predisposição para, sequer, ponderar aceitá-los. Os cargos políticos trazem consigo um conjunto infindável de deveres que um cidadão comum não conhece, porque lhe foram confiadas as chaves do poder que se relaciona, em última análise, direta e inequivocamente, com a vida real das pessoas. O serviço público tem, obrigatoriamente, que ser compaginável com o sentido de dever, missão e compromisso, ainda que isso culmine em ténues implicações diretas na vida pessoal daqueles que aceitaram, de livre e espontânea vontade, servir o povo.

O exercício de cargos executivos requer mais deveres do que direitos, mais obrigações do que autoridade, e mais responsabilidade do que desconsideração. O milenar desempenho governativo obedece a um grupo de valores indispensáveis sem mácula, entre os quais o brio, o decoro, a elegância, a ponderação e o recato, que não poderão nunca, muito menos a meio de uma catástrofe, ser substituídos pela soberba desmensurada, pela arrogância piedosa, pela altivez exacerbada, e pela esparramada insensibilidade social.

A excitação do ambiente social numa catástrofe natural agudiza outros ambientes, nomeadamente o ambiente político em que as lideranças olham para um caminho com os mais obtusos desafios pela frente, e decidem com que fato o querem enfrentar. Exemplo do fato feito à medida foi a pandemia, onde, cintilantemente, a liderança governativa destacou-se pela hombridade com que enfrentou o maior desafio da humanidade nos últimos séculos. Caricato, senão trágico, que, volvidos pouquíssimos anos, a mesma liderança substitua agora o fato para combater a incineração da extravagante beleza natural que tem consagrado a Madeira, consecutivamente, o melhor destino insular do Mundo – deixando com melhor figura, quanto à gestão desta crise, o grupo recreativo da Gaita de Foles quando se apercebe da saias pretas com bainhas descosidas.

Contrariamente ao que se diz, e ao que se faz crer, houve, no mínimo, um profundo vazio comunicacional entre as autoridades – todas – e a população. Como diz o povo na imensidão da sua sabedoria, “a bota não bate com a perdigota”. O discurso tido – eventualmente para atingir outro fito – não se ajustava à verdade, sobretudo quando, num ato de fé planetário, foge amedrontadamente do amparo alheio, para meio segundo depois por ele reclamar, e em triplo – num duo de nacionalidades.

No negrume destes dias, ficou plasmado, para memória futura, o exemplo de jogadores em campo que souberam corresponder ao que lhes era exigido, despreocupados com o que diziam os treinadores de bancada, deram lições, não só de moral como de decência, ao lado dos valentes operacionais que combatiam com sangue na guelra a ameaça da ingente fervura protagonizada pelo lume. Homens e mulheres, corajosos de natureza, certos de competência e sedentos de êxito levaram ao limite as suas capacidades – fazendo de tudo para travar a ebulição das paisagens pulcras e formosas que compõem a fascinante perfeição natural das ilhas, as mais belas e livres. E, por falar em ser-se livre, não haverá pior depravação da Democracia do que proscrever ao silêncio quem, por vocação, fulminantemente faz chegar aos “acervejados” informação suficiente para reproduzir vernaculamente tudo o que o jornalismo foi capaz de até eles levar.

Pelo curso natural da vida, os anos passam e as coisas mudam, incluindo a política. O capital político dos partidos muda, assim como dos seus protagonistas, e isso tem consequências diretas na ação governativa já que a força popular, pelas razões humanas mais naturais, não é já igualável aos antigos anos áureos em que o PSD era brindado com consecutivas maiorias absolutas. Isto leva obviamente a alterações estruturais na forma como a política se desenrola, e esta ocasião seria uma oportunidade perfeita para o Governo reforçar a sua posição e postura junto das massas, aproveitando para robustecer a força que alcançou a 26 de Maio. Creio que aconteceu exatamente o contrário, sendo que se o tom utilizado na conferência do dia 21 deste mês tivesse imperado na gestão política deste desastre natural, muito provavelmente o cenário social e político era imensuravelmente distinto.

À destruição e depauperação de uma significativa parte dos horizontes – constituídos luxuosamente por um património natural que detém uma biodiversidade exclusiva –, ficarão associados os cerca de 90% de cancelamentos dos serviços turísticos que aconteceram na sequência dos incêndios, assim como as terras madeirenses tornar-se-ão altamentes desprotegidas pela ausência de cobertura vegetal, e vários setores económicos enfrentarão martirizadamente dificuldades reais – realidade completamente distinta avistada por quem detém responsabilidades governativas.

Entretanto surgiram os oportunistas do costume, já que “não há festa nem festança que não apareça a Dona Constança”. A horda – grupo de néscios transbordante de santimónia e ávidos de ação, útil ou inútil – emergiu de um conjunto de bonzos inflamados pelas doses homeopáticas de tacanha moralidade, agora vindos de vários setores políticos, até mesmo, ainda que camufladamente, da oposição interna no PSD.

A revanche política mais corriqueira é aquela que procura acintosamente usar a desgraça alheia para retirar ganho próprio em prol de um propósito que fora já derrotado. Curioso é que o façam em momentos de crise, aproveitando a obscuridade da noite para vicejar na confusão e no ódio, deixando para trás a frontalidade e em busca das condições mais convenientes para dilacerar fulano e sicrano. Acontece que timoratos partilham uma fúria semelhante a um bacilo em cativeiro que se ativa na instabilidade, à procura do melhor caminho que lhes permita jogar à vitimização, sem que para isso haja clareza e abertura na posição que tomam; já esse jogo (de vitimização) deixará de ter razão de ser quando os sarcófagos demitidos passassem a assumir publicamente a discórdia relativamente a uma liderança que os próprios contestavam, mas à qual queriam continuar associados. Preferem, em detrimento disso, refugiar-se, ainda assim, no esgoto moral das redes sociais a partilhar não aquilo que os move por convicção, mas o que melhor lhes serve por cavilação.

Do outro lado restam os monges num imundo bacanal que de seitas acolitadas a elites martirizadas vegetam no opróbrio pelo aproveitamento político do sofrimento de outrem. Umas ramagens agitaram-se para o lado de Santa Cruz, era Filipe que procurou usar os meios disponibilizados pela autarquia para, deprimentemente, dilacerar a gestão técnica, tencionando, com isso, acentuar as divergências entre um Governo cor de laranja e uma autarquia meia esverdeada. Outras ramagens sacudiram-se, era Pereira que queria envolver o Estado a subsidiar o segundo meio aéreo para a Região – curioso que teve quase 9 anos para isso exigir ao seu partido, mas nada disse, nem nada fez, aliás foi cúmplice com a República governada pelos socialistas que nem o único meio aéreo que opera na Região foi capaz de subsidiar – um silêncio tão comprometedor quanto revelador. Uma outra ramagem também se mexeu, era Cafôfo – “predileto” de Pereira – que não tardou na sua militância fanatizada, e próxima do seguimento religioso, contra o Governo, e, sem que o fogo tivesse sequer perto de estar extinto – o que mostra a ânsia do espetáculo mediático –, vicejou uma mais uma vez no medievalismo imberbe. Outras fartas ramagens agitaram-se, tantas que nem as consigo mencionar a todas – confesso –, mas que pela andrajosidade em que se movem não tardarão a ser motivo de serem novamente desmascaradas.

Por fim, há uma dúvida que me continua a assolar. Onde andaram Luís Montenegro e Marcelo Rebelo de Sousa?