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Crónicas

O bom, o mau e os treinadores de bancada

Não há incêndios com final feliz. Muito menos aquele onde arderam quase 6 mil hectares do bem mais valioso que esta terra tem

O bom: Margarida Blasco

“Tudo o que seja para melhorar as condições dos madeirenses nós podemos fazê-lo.” Foi a resposta da Ministra da Administração Interna, à pergunta sobre a possibilidade do Governo da República garantir um segundo meio aéreo, de forma permanente, na Madeira. O debate é antigo e tem implicações muito além da área da proteção civil. A regionalização de serviços – como é o caso da proteção civil – isenta o Estado de qualquer responsabilidade no seu financiamento? A resposta depende da forma como olhamos para a transferência de competências do Estado para as Regiões Autónomas. Para quem vê na regionalização, a possibilidade de uma competência do Estado ser exercida de forma mais eficaz por quem está mais próximo da realidade regional, então a responsabilidade financeira pelos serviços regionalizados tem de ser avaliada caso a caso. Para os que procuram na regionalização uma forma de reduzir o investimento do Estado numa parte do território nacional, a autonomia é pouco mais do que um truque financeiro para prestar piores serviços e poupar dinheiro à República. Não é, por isso, surpreendente que vários governantes nacionais, de variadas cores partidárias, se escondam atrás da regionalização sempre que lhes perguntam pelo investimento do Estado na Região. O que é curioso, é ver Paulo Cafôfo, o homem cuja causa era a Madeira, refugiar-se na regionalização da proteção civil para justificar a sucessiva recusa dos governos socialistas em assumir qualquer responsabilidade no financiamento dos meios aéreos utilizados na Região. Pior do que recusar ajuda, é estar convicto que a mesma nem sequer é devida.

O mau: Incêndio de 14 de Agosto

Não há incêndios com final feliz. Muito menos aquele onde arderam quase 6 mil hectares do bem mais valioso que esta terra tem ou no qual foram arrasados locais emblemáticos como a Bica da Cana, o vale do Curral das Freiras ou as encostas do Pico Ruivo. Um incêndio que lavra há mais de 10 dias não pode ser campo de batalha entre triunfalismos entusiasmados e julgamentos políticos precipitados. Nem que seja por respeito a quem continua, no terreno e no ar, a fazer frente ao incêndio ou por solidariedade a todos os que se viram à mercê do fogo descontrolado. Infelizmente, as chamas que engoliram quase 10% da nossa área florestal também aprofundaram uma trincheira que nos divide perante uma catástrofe natural. A incapacidade para o consenso mais básico, na hora mais difícil, é a primeira grande vítima deste incêndio. Não sei se a progressão das chamas poderia ter sido evitada, se a estratégia de combate ao fogo foi a mais acertada ou se o pedido de reforço de meios foi atempado, mas há factos que merecem ser relembrados. Na Madeira, a área ardida em 2024 continua a ser inferior ao que ardeu em 2010, 2012 e 2016, os anos recorde em termos de território consumido pelo fogo. Os incêndios de 2012 dizimaram 95% do Parque Ecológico do Funchal. Os incêndios de 2016 causaram três mortos, dois feridos graves, cerca de mil deslocados e centenas de casas destruídas. Nada disto se repetiu. A conclusão não é que o incêndio de 2024 tenha sido um sucesso ou, pior, que não tenhamos nada a aprender e a melhorar com o que aconteceu, apenas a lembrança que a perspetiva costuma ser boa conselheira.

Os treinadores de bancada: Especialistas em incêndios

A cada catástrofe natural emerge, triunfante e omnisciente, uma nova vaga de especialistas. Ocupam o comentário televisivo, de onde sustentam o frenesim do ciclo noticioso, sempre ávido de novas, e cada vez mais tenebrosas, conclusões bombásticas. Por cada especialista, há um número quase infindável de entendidos. Esses são mais atrevidos. Insuflados de certezas absolutas, arriscam sentenças sobre a operacionalidade de aviões, proferem palestras sobre o combate aos fogos florestais e asseguram, do conforto do seu sofá, que toda esta tragédia poderia ter sido evitada. Sinto-me, portanto, na obrigação de declarar que não percebo nada de incêndios. Mas não é preciso sê-lo para identificar o que junta especialistas e entendidos. Há, na maior parte deles, um otimismo exacerbado. Uma ideia comum de que não existem limites para o combate aos fogos, de que todos os incêndios são evitáveis e, se não forem, podem, no mínimo, ser imediatamente combatidos e controlados. É, portanto, um sentimento de domínio absoluto do Homem sobre a Natureza e sobre todos os elementos naturais. O que mais preocupa nesta verdade, é que quem a proclama já tirou todas as conclusões sobre o incêndio. O assunto ficou arrumado e só voltará às televisões e aos jornais na próxima vez que a terra voltar a ferver e a fumegar. Tem sido este o ciclo vicioso de quem já se habituou a ver o País e a Madeira a arder. Aceitar que os incêndios florestais são inevitáveis, é o primeiro passo para que o foco principal deixe de estar nos meios de combate às chamas e passe estar na prevenção e no investimento na floresta.