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Incêndios Madeira

No Curral das Freiras o fogo destruiu a agricultura e há quem não possa voltar a casa

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HOMEM DE GOUVEIA/LUSA

No Curral das Freiras, no coração da ilha da Madeira, há quem ainda não consiga voltar a casa devido ao rastro de destruição do fogo, que deixou agricultores "sem nada" e afastou os turistas da zona.

No centro da freguesia do concelho de Câmara de Lobos, sente-se o cheiro a terra queimada enquanto decorrem os preparativos das festas em honra da padroeira Nossa Senhora do Livramento, que acontecem no próximo fim de semana.

 As cinzas, que cobrem os carros e áreas das estradas, revelam os efeitos do fogo que afligiu os habitantes locais.

"Eu nunca me lembro de ver alguma coisa assim", conta à agência Lusa Maria Cecília de Jesus, de 67 anos.

Na madrugada de sábado para domingo, a moradora na zona da Seara Velha (de onde as pessoas foram retiradas) foi resgatada pelos bombeiros porque "não conseguia sair de casa" devido a todo "aquele cenário" de fumo e fogo.

O incêndio foi declarado extinto no Curral das Freiras na quarta-feira, apesar de continuar com duas frentes ativas na cordilheira central, mas Maria Cecília ainda não conseguiu voltar a casa.

"Estou na casa da minha filha. Está tudo abrasado. Dentro de casa não ardeu, mas para fora está tudo ardido. Os canos rebentaram com o lume. Ardeu tudo. Não tenho água neste momento", relata.

A Câmara Municipal prometeu "resolver" a situação, mas para já ainda não tem mais informações.

"Eu ainda não voltei a casa, não quero ver aquilo tudo abrasado. As minhas flores todas queimadas. Os canos estão todos rebentados", diz.

Em pleno agosto e com o sol a reluzir, as ruas do Curral das Freiras, enfeitadas por fios suspensos de flores coloridas, estão desertas, contrastando com outras zonas da ilha repletas de turistas.

A comerciante Olga de Freitas explica a situação: "depois do incêndio, ninguém veio mais cá".

Funcionária de uma loja de lembranças, natural do Rio de Janeiro, no Brasil, Olga de Freitas diz que o fogo "não chegou perto" do lugar onde vive, mas salienta que os impactos no negócio são "evidentes".

"Onde está o turismo? Perdeu-se tudo, isso estava sempre repleto. Depois do que passou com o fogo, o pessoal fugiu. Aqui não vem ninguém", lamenta.

Na Terra Chã, uma das zonas mais isoladas da freguesia que também foi evacuada, o incêndio ameaçou as habitações e causou prejuízos em várias explorações agrícolas. Ao longo da colina, onde as casas parecem ter sido esculpidas na encosta, o verde da paisagem deu lugar ao negro.

Arlindo Vieira tem dificuldade em quantificar o prejuízo no terreno agrícola. Estima que tenham sido cerca de 400 quilos de pêros, fora as ameixas e outros frutos em menor quantidade.

"Trabalhei bastante para quê? Numa hora lá foi tudo. Está tudo cozido. Os pêros, as ameixas, está tudo cozido. Foi tudo. Foi tudo. Não ficou nada", lamenta. 

O agricultor, de 71 anos, diz já ter sido visitado pelo Governo Regional para aferir eventuais apoios face aos prejuízos, mas neste momento "ainda não sabe o que fazer" quanto ao futuro.

No sábado, Arlindo foi retirado de casa duas vezes. Primeiro, de tarde, foi levado pelas autoridades para a igreja. Depois, à noite, quando o fogo voltou a intensificar-se, foi transportado para a casa da filha.

"É uma perda enorme, foi tudo, trinta e tal anos de trabalho que foram embora em uma hora. Felizmente não chegou às casas. Se passa para esta zona [da encosta], não sei como ia ser", diz.

Também Nélson Vieira, que vive com a mãe na zona da Terra Chã de Cima, perdeu várias árvores de fruto, mas conseguiu salvar a maior parte do terreno.

"Foi o inferno. Se eu não tivesse em casa, não sei como tinha sido, isso tinha ardido tudo, já não tinha galinhas, já não tinha árvores, já não tinha casa. Fiquei toda a noite aqui, mais os vizinhos e bombeiros, para salvar isso", relata Nelson Vieira, mostrando várias pereiras de abacate queimadas.

No quintal da família Vieira, a cinza cobre os dióspiros e os eucaliptos devastados comprovam que o fogo esteve a escassos metros da casa.

"As pessoas destas casas estiveram a salvar o que conseguiram. Perdeu-se muita fruta, árvores e muita vinha, mas isso podia ter sido muito pior. Cheguei a pensar que não aguentava. A minha casa aguentou-se porque a certa altura o meu vizinho veio-me ajudar e eu consegui ir dormir um pouco porque já tinha a cabeça toda desorientada", assume.

José Viera de Sá, de 74 anos, também perdeu cinco terrenos, onde tinha várias frutas para consumo próprio. "Foi tudo à vida", lamenta, mas prefere ser otimista porque a "situação podia ter mais complicada".

"O fogo não estava para brincadeiras, nunca vi nada assim. Ainda bem que não chegou à casinha, mas esteve a poucos metros. Felizmente já passou, esperemos que sim, é fazer votos para que não se repita", acrescenta.

O incêndio rural na ilha da Madeira deflagrou no dia 14 de agosto, nas serras do município da Ribeira Brava, propagando-se progressivamente aos concelhos de Câmara de Lobos, Ponta do Sol e, através do Pico Ruivo, Santana.

As autoridades deram indicação a perto de 200 pessoas para saírem das suas habitações por precaução e disponibilizaram equipamentos públicos de acolhimento, mas muitos moradores já regressaram, à exceção dos da Fajã das Galinhas, em Câmara de Lobos.

O combate às chamas tem sido dificultado pelo vento e pelas temperaturas elevadas, mas não há registo de destruição de casas ou de infraestruturas essenciais. 

Alguns bombeiros receberam assistência por exaustão ou ferimentos ligeiros, não havendo mais feridos.

Dados do Sistema Europeu de Informação sobre Incêndios Florestais apontam para mais de 4.930 hectares de área ardida.