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Incêndios Madeira

"A Laurissilva cresce e decresce conforme a vontade dos políticos"

Ex-presidente do Instituto das Florestas e Conservação da Natureza alerta que estão a desaparecer populações inteiras de espécies endémicas

Captura CNN-Portugal
Captura CNN-Portugal

O ex-presidente do Instituto das Florestas e Conservação da Natureza (IFCN) sublinhou, esta quinta-feira, que as considerações ou a própria desvalorização do facto de não ter ardido ainda toda a Floresta Laurissilva "é muito relativa, porque grande parte dos valores naturais da ilha da Madeira estavam precisamente nestas ravinas que vemos arder, seja em termos de flora, seja em termos de fauna".

Em entrevista à CNN-Portugal, o antigo responsável pelo IFCN garante que "estão a desaparecer populações inteiras de espécies endémicas, pelas quais nós somos responsáveis" e "não é à toa que a ilha tem um património da humanidade", em referência, no caso em concreto, à Laurissilva.

Esse património da humanidade não é só uma bandeira turístico. É, à partida, uma responsabilidade e essa responsabilidade não é só técnica, como política. O património não pode só servir para atrair turistas. É, simultaneamente, um objectivo de conservação e isto é uma falha terrível de todo o Governo e toda a sua estrutura. Miguel Sequeira

Ainda de acordo com as palavras de Miguel Sequeira - que foi convidado, segundo o próprio, a abandonar o cargo de presidente do IFCN por não ser filiado no PSD-Madeira - falhou o ataque inicial ao incêndio.

"O ataque ao fogo inicial, à ignição inicial, terá sido muito lento e deu origem a uma expansão absolutamente expectável, porque é assim com a orografia da Madeira e com o vento. Isto não é uma situação inédita, pelo contrário, acontece sempre e, portanto, a Protecção Civil da Madeira tem de estar preparada para as situações orográficas da Madeira e não para o Alentejo, não é?", precisou.

Albuquerque diz que Laurissilva foi pouco atingida

O presidente do Governo da Madeira indicou que "grande parte da floresta Laurissilva" não foi, até ao final da tarde de hoje, afetada pelo incêndio que lavra na região, adiantando também que foram tomadas medidas para salvaguardar a freira-da-madeira.

A ilha da Madeira tem um declive médio elevadíssimo, o que dá origem a duas situações: uma boa e uma má. A boa é que, de facto, os valores biológicos estão preservados nas ravinas e não são só a Laurissilva. A Laurissilva cresce e decresce conforme a vontade dos políticos, portanto, é muito importante o coberto vegetal que existe nas ravinas da Madeira, mas ao mesmo tempo essas ravinas cobertas com vegetação endémica são também o local por onde se expande um incêndio depois de ter começado em áreas agrícolas, porque ele começa sempre nesta interface humana e, portanto, seria relativamente fácil de combater o incêndio no início, quando ainda não atingiu as ravinas verticais, no momento em que atingiu as ravinas verticais ele torna-se de muito difícil combate. Miguel Sequeira

O biólogo lamenta, igualmente, que a sociedade continue "a aceitar estas ignições de uma forma mais ou menos normal quando esta situação recorrente não é de todo normal".

"Estamos a nos transformar num povo de incendiários e isso é absolutamente inaceitável. Nós podemos criticar - e devemos - a actuação da Protecção Civil e exigir responsabilidades até políticas, mas não nos podemos esquecer que as ignições não apareceram do nada. Não são ignições naturais", concretizou.