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Incêndios Madeira

SPEA calcula que "natureza levará décadas a recuperar dos incêndios"

Foto DR/Filipe Viveiros/SPEA
Foto DR/Filipe Viveiros/SPEA

Os grandes incêndios que têm assolado a Madeira desde a passada quarta-feira, "além do perigo para as pessoas", estão também "a pôr em risco a única colónia de nidificação do mundo de freira-da-madeira", uma "ave marinha ameaçada" por um fogo que aconteceu "na pior altura: quando as crias estão nos ninhos, a ser alimentadas pelos progenitores", alerta a Sociedade Portuguesa para o Estudo das Aves (SPEA). O trabalho que têm realizado "para proteger a espécie e a floresta Laurissilva - também gravemente afetada pelos incêndios" -, naturalmente faz com que se juntem às vozes "dos cidadãos que pedem maior mobilização de meios e lamenta a falta de planeamento prévio, que tem dificultado o combate aos incêndios".

Numa nota enviada esta manhã, a SPEA refere que "com o combate às chamas dificultado pela falta de meios aéreos capazes de atuar em condições de vento, as populações locais viram também arder terrenos agrícolas, palheiros e outro património edificado. Afortunadamente, até ao momento não há vítimas a lamentar. Já a Natureza da ilha poderá estar a sofrer danos irreparáveis", lamenta.

Como também já foi noticiado, o fogo ameaçou a única colónia do mundo de freira-da-madeira, levando à tentativa de retirar o máximo de ninhos e crias possíveis, feito contudo só quando o fogo se aproximou da zona de nidificação habitual, na alta montanha da cordilheira central da ilha.

"No Curral das Freiras, o fogo alastrou-se através da área de nidificação da freira-da-madeira. Alguns dos adultos podem ter fugido, mas com os incêndios as crias podem ter morrido queimadas, de inalação de fumo ou por desabamento dos ninhos", calcula Cátia Gouveia, coordenadora da SPEA Madeira. "Nesta altura, mesmo que os adultos tenham sobrevivido, o sucesso reprodutor deste ano está seriamente afetado, visto que estas aves só põem um ovo por ano. Isto é especialmente grave porque estamos a falar dos únicos ninhos do mundo", lamenta.

Recordando que esta é "uma das aves marinhas mais ameaçadas do mundo", tendo a freira-da-madeira chegado "a ser considerada extinta até finais da década de 1960. Atualmente considerada 'Em Perigo' de extinção, a espécie conta com 65 a 80 casais, que nidificam apenas em pequenos patamares acima dos 1.600m de altitude, entre o Pico do Areeiro e o Pico Ruivo — precisamente a zona afetada pelo incêndio".

E ainda reflecte uma espécie de 'dejá-vu': "Estes incêndios vêm agravar a situação já periclitante da freira-da-madeira, que já em 2010 foi gravemente afetada pelos fogos que atingiram a área e causaram a morte de 98% dos juvenis e de um número indeterminado de adultos, e destruíram 80% dos ninhos."

Floresta madeirense entra em ciclo vicioso

Na nota, também aborda o que entende a SPEA ser "igualmente preocupantes" os "impactos destes incêndios na vegetação, que mostra indícios de entrar num ciclo vicioso. Desde que deflagraram no passado dia 14, os incêndios já consumiram mais de 8 mil hectares, o que corresponde a 14% da área florestal da ilha da Madeira. A conflagração afetou o Parque Natural da Madeira, bem como as áreas de Rede Natura2000 da Laurissilva e do Maciço Montanhoso". 

Se "o incêndio de 2010 criou as condições para que plantas invasoras como a giesta se espalhassem nestas áreas", plantas essas que "são muito mais propensas ao fogo do que as plantas nativas da Laurissilva", pode também "ter ajudado a permitir que o incêndio deste ano alastrasse com mais facilidade. Se não houver esforços significativos para impedir que as plantas invasoras alastrem mais, corremos o risco de ter uma floresta cada vez mais apta a arder", diz Cátia Gouveia.

Numa espécie de pré-balanço, diz que "mesmo antes do rescaldo, é já certo que as repercussões vão sentir-se durante anos. No Pico Ruivo, as chamas que, nesta quarta-feira, ainda ardiam de forma descontrolada na Achada do Teixeira, estão a destruir vegetação de urzal de altitude, que tem um papel fundamental em manter os recursos hídricos da ilha. Com este ecossistema desestabilizado, irá agravar-se o risco de derrocadas e inundações nos meses de inverno", aponta.

E termina propondo que, "para já, é urgente mobilizarem-se mais meios de combate aos incêndios, incluindo meios aéreos com capacidade de chegar às áreas inacessíveis mesmo em condições de algum vento", frisa Cátia Gouveia. "Mas mesmo quando o incêndio estiver extinto, não será o fim. Vão ser precisas décadas de trabalho para restaurar o que se perdeu, e com a proliferação de espécies invasoras, dificilmente voltaremos a ter as serras cobertas das nossas plantas únicas. E é imperativo melhorar o planeamento regional, para evitar que a história se repita", conclui.