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Fact Check Madeira

Deve um bispo dispensar um sacerdote ao nomear outro para a mesma função?

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No dia 25 de Julho, o bispo do Funchal oficializou as nomeações de um conjunto de sacerdotes para novas funções na Diocese. Foram 15 os sacerdotes nomeados para funções em diversas paróquias. Uma das pessoas, que não foram nomeadas, mas que são afectadas pelas decisões de D. Nuno Brás, foi o pároco de São Roque (Funchal) e de São José.

José Luís Rodrigues recorreu ao Facebook para manifestar a sua indignação com todo o processo e, entre as várias considerações que tece, levanta uma questão de ordem formal. “O sr. bispo revelou-se cansado outra vez para o que lhe interessa ou alimenta a alma. Apenas nomeou. Não dispensou ninguém como sempre tem sido e como deveria ser.”

O próprio padre José Luís Rodrigues diz que essa é uma questão a ser respondida por um especialista em Direito Canónico, no caso, o novo Vigário-Geral da Diocese do Funchal.

Mas, terá razão José Luís Rodrigues, neste aspecto formal?

Não é fácil responder com todas as certezas à questão suscitada pelo ainda pároco de São José e de São Roque. Para o tentar, seguimos duas vias. Consultamos os cânones e as ‘regras’ da Conferência Episcopal Portuguesa e ouvimos um especialista em Direito Canónico. Não ouvimos o novo Vigário-Geral, como sugerido por José Luís Rodrigues, por seguirmos o ensinamento de que ‘ninguém é bom juiz em causa própria’.

O Direito Canónico não prevê que as nomeações dos párocos sejam por um período específico, pelo contrário. O Cânone 522 diz que “importa que o pároco goze de estabilidade, e por isso seja nomeado por tempo indeterminado; só pode ser nomeado pelo Bispo diocesano por um prazo determinado, se isto tiver sido admitido pela Conferência episcopal, mediante decreto”.

Ora, em Portugal, isso aconteceu.

Ao código de Direito Canónico promulgado pelo Papa João Paulo II, a Conferência Episcopal Portuguesa (CEP) estabeleceu um conjunto de decretos gerais para aplicação do Código em causa. Um deles (V - 1759) diz respeito à nomeação de párocos. Está estabelecido: “Em conformidade com a faculdade concedida no cân. CIC 522, a Conferência Episcopal Portuguesa determina que os párocos possam excepcionalmente ser nomeados por um período não inferior a seis anos a contar da data do decreto de nomeação. Tal nomeação será renovada automaticamente por um novo sexénio e assim sucessivamente, sempre que o Bispo, para o bem das almas, não determinar expressamente o contrário, pelo menos dois meses antes de se perfazer o prazo.”

“A Conferência Episcopal concede faculdade a cada Bispo de nomear os párocos ‘ad tempus’; porém o Bispo deve usar tal faculdade, somente quando considerar isto oportuno, não sendo para ele uma lei.”

Portanto, em princípio, os párocos são nomeados por tempo indeterminado, exceto onde as conferências episcopais permitem nomeações temporárias. Mesmo quando nomeados por um tempo determinado, o processo de exoneração ou transferência deve observar os procedimentos canónicos.

Significa isto que o processo de nomeação de um novo pároco deve de seguir o procedimento estabelecido, o que inclui a formalização da exoneração/dispensa ou transferência do pároco actual, se este ainda estiver em exercício.

Os procedimentos a seguir são os descritos nos cânones 1740 a 1752.

Também ouvimos um especialista em Direito Canónico, que nos pediu para não ser identificado. A pessoa não se quis pronunciar sobre o caso em concreto, por não o conhecer.

Em síntese, o que nos transmitiu diz que o Bispo tem sempre o poder para nomear ou dispensar os párocos, havendo um conjunto de disposições legais que o permitem.

À nomeação de um sacerdote para uma paróquia subentende-se a cessação de funções do anterior. Mas isso é algo que não é claro, do ponto de vista formal. O especialista que ouvimos entende que, se não houver a dispensa formal, acaba por formalmente haver duas (ou mais) pessoas nomeadas para as mesmas funções, na mesma paróquia. É preciso ficar claro em documento.

Aliás, o decreto da CEP, já citado, afirma claramente que o pároco vê renovada a sua nomeação “sempre que o Bispo, para o bem das almas, não determinar expressamente o contrário”. Resta saber se nomear outra pessoa para as mesmas funções é determinar expressamente o contrário.

O DIÁRIO consultou, no sítio da Internet da Diocese, as nomeações ocorridas nos últimos dez anos. De facto, os documentos contêm além das nomeações, as dispensas de funções, o que não acontece com as nomeações sacerdotais de 24 de Julho de 2024, com apenas uma excepção: o padre Carlos Ismael Faria de Almada, que passa a Reitor da Igreja de S. João Evangelista (Colégio), no Funchal, e é “dispensado da reitoria da Penha de França e mantendo as demais nomeações”.

Outra diferença que notámos é que, habitualmente, antes de revelar as decisões de nomeação e depois de argumentada a sua necessidade, é escrito “Havemos por bem nomear…”. Desta vez, está escrito “Hei por bem nomear…”.

Pelo exposto e ainda que admitindo que as decisões de nomeação produzam efeito, mesmo sem as correspondentes dispensas, a frase dita pelo padre José Luís Rodrigues tem de ser avaliada como verdadeira.

Uma nora final para o facto de, neste trabalho, não nos termos dedicado às razões que, mesmo no interior da estrutura da igreja católica madeirense, estão a ser apontadas como as verdadeiras razões que suportaram a decisão do bispo do Funchal.

“O sr. bispo (Nuno Brás) revelou-se cansado outra vez para o que lhe interessa ou alimenta a alma. Apenas nomeou. Não dispensou ninguém como sempre tem sido e como deveria ser” – José Luís Rodrigues