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Académicos divergem sobre fiabilidade da votação e do processo eleitoral na Venezuela

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FOTO RONALD PENA R/EPA

Académicos ouvidos hoje pela Lusa dividem-se sobre a fiabilidade do sistema de votação e do processo eleitoral que existe atualmente na Venezuela, onde o Presidente, Nicolás Maduro, reclamou vitória nas eleições de domingo passado.

"Não é só uma fraude eleitoral, é todo o sistema político na Venezuela que é uma fraude. Não temos uma democracia, temos uma força autoritária que governa o país com mão de ferro e com muita violência", declarou Mónica Dias, professora e investigadora da Universidade Católica Portuguesa, lembrando que a democracia foi desaparecendo desde o início do 'chavismo' em 1999, quando o Presidente Hugo Chávez (1999-2013) assumiu o poder.

Na segunda-feira, o Conselho Nacional Eleitoral (CNE) venezuelano proclamou Nicolás Maduro Presidente reeleito do país para o período 2025-2031, com 51,2% (5,15 milhões) dos votos. O principal candidato da oposição, Edmundo González Urrutia, obteve 44,2% (pouco menos de 4,5 milhões de votos), indicou o CNE.

A oposição venezuelana e muitos países denunciaram uma fraude eleitoral e exigiram que sejam apresentadas as atas de votação para uma verificação independente. Maduro pediu, na quarta-feira, ao Supremo Tribunal de Justiça do país que certifique os resultados das eleições presidenciais de domingo.

Para a investigadora, "não surpreende que Maduro queira tentar manter-se no poder e fazer de tudo, incluindo impor a violência e uma repressão terrível contra toda a população" de um país que atualmente "não goza de liberdades civis e políticas".

Desde segunda-feira, a Venezuela é palco de protestos da população contra o resultado eleitoral, resultado em várias mortes, feridos e milhares de detidos.

Segundo a investigadora da Universidade Católica, para haver liberdade política não basta apenas a realização de eleições, mas "é preciso fornecer todas as condições para os partidos irem às urnas em pé de igualdade e a possibilidade de todas as pessoas poderem exercer o seu direito ao voto".

"Não podemos esquecer que Nicolás Maduro controla completamente a Comissão Nacional de Eleições (CNE), que é dirigida por um amigo pessoal, que é companheiro político há muitos anos. Maduro também controla o braço militar do Estado, no qual há uma infiltração daqueles que lhe são próximos, assim como controla outras instituições e organizações como a imprensa, as escolas, o setor de saúde", avaliou Mónica Dias.

A investigadora lembrou que várias organizações que acompanharam as eleições presidenciais de domingo denunciaram que não havia condições de liberdade para votar.

A professora universitária referiu que "vários dias após o ato eleitoral, ainda não foram disponibilizadas as atas de votação. Isso acontece porque Nicolás Maduro não quer ou porque estão ocupados a falsificar essas atas das eleições. Há, aqui, uma situação gravíssima".

Já o historiador Cristiano Pinheiro de Paula Couto, investigador do Instituto de História Contemporânea da Universidade Nova de Lisboa, declarou que a Venezuela possui "um sistema de votação considerado altamente confiável e difícil de fraudar. Este sistema envolve várias etapas de verificação, abrangendo o recenseamento eleitoral, o voto eletrónico, a emissão de um comprovante físico e o registo biométrico do eleitor".

Couto declarou que "a contestação dos resultados eleitorais pela oposição, as alegações sobre a necessidade de fortalecimento da democracia e os protestos violentos nas ruas - apoiados por organizações não-governamentais estrangeiras -- realizados por manifestantes duvidosos e frequentemente associados a grupos criminosos locais e à extrema-direita, é um cenário que se repete consistentemente na Venezuela e ao redor do mundo".

O historiador indicou que há interesses e tentativas de interferências de países estrangeiros na Venezuela, incluindo os Estados Unidos, devido às suas riquezas naturais, nomeadamente o petróleo e a floresta amazónica.

"O mesmo roteiro (de descredibilização eleitoral, manifestações, interferências) foi utilizado no Brasil, quando Jair Bolsonaro foi derrotado por Lula da Silva nas últimas eleições, mas não teve êxito, tendo sido bem-sucedido, entretanto, na Bolívia, resultando no golpe de Estado que depôs o ex-Presidente Evo Morales", acrescentou Couto.

Devido a enormes pressões externas e domésticas, segundo o investigador, Brasil, México e Colômbia "vão esperar até serem divulgadas as atas de votação", permanecendo "em suspenso, portanto, o reconhecimento dos resultados oficiais anunciados pelo CNE por esses três importantes países latino-americanos".

"De outros hemisférios, países como Rússia e China já saudaram o triunfo de Maduro", disse ainda o investigador.

Mónica Dias declarou que Maduro poderá permanecer no poder, no entanto, o seu Governo não deverá chegar ao fim devido à situação de cansaço da população em relação ao 'chavismo' e que essa mudança deverá ocorrer com um grau de violência, maior ou menor dependendo de um conjunto de circunstâncias que acontecerem no país.