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Crónicas

Toda a ajuda

Esse mundo rural precisa de mais do que os cinco minutos de fama que os incêndios trazem

Eu sou de um lugar que era campo, tão rural como o sítio onde o trabalho me trouxe este sábado. Lá em baixo, no Curral das Freiras, há gente que chora sem saber se o fogo chegou a casa, se abrasou os castanheiros, o que estava plantado na fazenda e se os animais estão bem.

São pessoas normais. Os mais velhos parecem as minhas tias, o meu pai e eu podia ser uma daquelas mulheres que pegaram nos filhos e nos cães e fugiram de madraguda da Terra Chã e da Seara Velha. O Laranjal onde eu cresci era assim, com casas com galinheiros, cães, gatos e uns poios com feijão, vinha e uma pimpineleira a fazer sombra junto ao ribeiro.

Mas eu tive a sorte de ter crescido num tempo diferente, ainda sem alterações climáticas e com todos os bocadinhos de terra cultivados. Um mundo antigo, que sobrevive em sítios como o Curral das Freiras ou o Jardim da Serra. Por lá, nos lugares onde o fogo não dá sossego, está ainda essa existência rural, cada vez mais reduzida e esquecida. São menos as fazendas com couves, batatas e, aqui e ali, uma ameixeira carregada.

Mas ainda estão lá os homens de foice ao ombro e de enxada na mão a fazer o que o meu pai faria para defender a casa que tanto esforço custou.

Duvido que fosse capaz de a deixar para trás sem pelo menos a tentar salvar, tal e qual como os homens que ficaram para trás na Terra Chã e na Seara Velha.

O bom senso pode dizer o contrário, o coração e o espírito destas pessoas é este. Vão lutar enquanto for possível. E há uma parte de mim que os compreende, que sente a mesma aflição, que sabe que aquela dor precisa de um abraço e sobretudo de ajuda.

De toda a ajuda que formos capazes. De bombeiros, de protecção civil, mas talvez a mais importante é de não deixarmos que a próxima notícia, a próxima polémica, as remeta ao esquecimento até que uns dias de calor e vento, ajudados pela incúria ou mão criminosa, lancem o pânico noutro sítio.

E não esquecer é ajudar aquelas pessoas, muitas já de idade, para que tenham condições para continuar a manter os terrenos limpos e produtivos. O que implica muito mais do que uma lei para limpar terrenos e uma ameaça de multa.

Esse mundo rural, que sobrevive longe da vista, precisa de atenção, de carinho e mais do que os cinco minutos de fama que os incêndios trazem e que desaparecem assim que as imagens ficam reduzidas a cinzas. Nós desmontamos as câmaras, mas para as pessoas com quem falei nestes dias a preocupação, a aflição, a casa ou palheiro que ardeu vão ficar lá, colados à pele, serão memórias dolorosas.