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Pecar por omissão

Por estes dias, lembrei-me de Martin Niemöller.

É de sua autoria a citação: “Primeiro eles vieram buscar os socialistas, e eu fiquei calado — porque não era socialista. Então, vieram buscar os sindicalistas, e eu fiquei calado — porque não era sindicalista. Em seguida, vieram buscar os judeus, e eu fiquei calado — porque não era judeu. Foi então que eles vieram me buscar, e já não havia mais ninguém para me defender.”

Estas palavras foram proferidas por Niemöller após a II Guerra Mundial e constaram da exposição inaugural do Museu Memorial do Holocausto dos Estados Unidos, em 1993. Pelo seu grande significado e lição para a humanidade, hoje fazem parte da exposição permanente do Museu com o objetivo de lembrar aos visitantes que o holocausto foi resultado da passividade e da indiferença humana.

A história de Niemöller é uma lição de vida. No início, Niemöller simpatizava com o ideal nazista e até apoiava movimentos políticos radicais de extrema-direita. Mas, após a ascensão de Adolf Hitler ao poder, em 1933, tornou-se um crítico ferrenho da interferência de Hitler nas igrejas protestantes. Ironicamente, Niemöller acabou por ser preso e enviado para campos de concentração de 1937 a 1945.

Através do silêncio, ele considerou que os alemães foram cúmplices da prisão, perseguição e assassinato de milhões de pessoas pelos nazistas. Ele considerou “chocante” que ele, enquanto pastor luterano, e outros líderes da igreja alemã protestante, que ele acreditava terem posições de autoridade moral, tivessem optado por permanecer em silêncio face aos acontecimentos. Ao calarem-se, deixaram o caminho livre para os nazis fazerem o que bem queriam. Sem limites.

Segundo ele, os alemães atribuíam “a culpa para seus vizinhos, para seus superiores ou para organizações nazistas como a Gestapo”. Com a sua experiência de vida e num ato de mea culpa, ele quis alertar para a responsabilidade pessoal de cada um perante o silêncio.

Infelizmente, muitos ainda não se deram conta que o silêncio torna as pessoas cúmplices das injustiças, dos atos violentos, das perseguições e de atrocidades.

Mas que grande lição! Pecar por omissão deixa caminho aberto para comportamentos maldosos sem controlo.

Os casos mais graves contra a humanidade começaram todos eles com pequenos atos. A escalada de violência nunca é de um dia para outro. É sempre feita em banho-maria. Os atos violentos vão escalando paulatinamente perante a ausência de qualquer travão. Sem limites, a maldade prolifera e cresce como uma erva daninha que mata tudo o que encontra pela frente para sobreviver e ficar cada vez mais forte. Quanto mais essa erva daninha cresce e se desenvolve, mais difícil se torna a permanência de boas plantas na redondeza.

Quantos hoje ficam quietos, por medo ou indiferença quanto ao sofrimento de outros seres humanos? Não se pense que isto só ocorre em países como a Venezuela, Coreia do Norte, Rússia, ou ditaduras africanas. Por cá, quem tem tido coragem para se pronunciar contra injustiças e perseguições? Quem detém “posições de autoridade”, moral ou institucional, e se manifesta pelo que está correto? Quem opta por permanecer em silêncio?

Seja por medo, por covardia, por ambição política de atingir determinados cargos, por desejo de não ser incomodado, vão-se calando. Até um dia. Niemöller também se calou até ao dia em que foi vítima do silêncio. Quantos pecam por omissão?

Em toda a omissão, há vítimas. Quem detém “lugar de destaque” tem maior responsabilidade. Há que dar voz àqueles que têm maior vulnerabilidade.

O poder corrompe. Há que existir limites para manter o sistema saudável e não cairmos numa “Venezuela”. O medo paralisa e pelo medo se controla e manipula. Quebrar com a cadeia do medo, com inteligência e com coragem é fundamental. Ninguém pode estar calado. É preciso dizer não a fanatismos.

É preciso de uma vez por todas entender que quem fica calado, torna-se cúmplice. E a história é cruel para os déspotas e seus cúmplices.

Está tudo mais que evidente para todos. Continuo a acreditar na existência dos bons, apesar de serem em número cada vez menor. Porque na verdade, natureza semelhante atrai-se.

A “sangria” das atrocidades existem de muitas formas e em muitos lugares. Cada qual precisa de repensar a sua responsabilidade. Pensem nisto!

Por último, quero deixar aqui a minha solidariedade para quem enfrenta dias difíceis à conta dos incêndios. Oxalá tudo termine o mais rapidamente possível sem problemas de maior. Força e coragem!