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Análise

Falta-lhes mundo

Que o digam os que tendem substituir a hospitalidade pela hostilidade

“Se é pacífico dizer que o turismo não traz apenas impactos sociais positivos - como qualquer actividade económica, de resto - devia ser incontroverso defender que, até ao momento, eles foram muito maiores e duradouros do que os efeitos contrários. Era nisso que devíamos focar o debate e não em desmerecer aquilo que temos sido bons a fazer”. A convicção foi partilhada na passada semana pelo presidente da Associação Comercial do Porto, Nuno Botelho, que num artigo de opinião no JN revela que “a turismofobia à portuguesa é bastante irracional, na medida em que se baseia mais em percepções do que em factos e ignora um conjunto de benefícios que esta actividade trouxe aos centros urbanos das grandes, médias e até pequenas cidades do nosso território”.

A oportuna reflexão, que diagnostica ingratidão e memória curta colectiva, surge num contexto em que qualquer tentativa governativa de melhor fazer uma gestão inteligente e equilibrada dos territórios, de modo a todos acomodar com dignidade e respeito, enfrenta sistematicamente discursos complexados assentes no ‘achismo’ compulsivo, a que se juntam as perigosas campanhas de hostilização dos visitantes, a humilhação preconceituosa dos emigrantes a quem muitos devem e até os inaceitáveis tiques xenófobos partilhados pelos ‘populistas’ que convivem mal com a necessária importação de mão-de-obra, com a diversidade cultural e até com o rejuvenescimento populacional.

Falta mundo a quem nesta terra de migrações tende a arquivar a hospitalidade tão característica das comunidades altruístas que sempre souberam acolher quem lhes dá futuro. Falta discernimento para observar os novos fenómenos sociais sem óculos embaciados e de agir em função de dados inquestionáveis e estudos de base científica. Falta tolerância a quem, sem conhecer a causa das coisas, parte ferozmente para a ofensa gratuita e sem rosto, mesmo que a cobardia tenha os dias contados, a julgar pelo número de processos judiciais anunciados.

Não é surpreendente que as reivindicações legítimas dos locais tendam a descambar. Há inúmeras e fundadas razões de queixa que apontam para uma ineficaz redistribuição da riqueza gerada no sector, para empecilhos laborais que configuram exploração e para logros de toda a espécie que fazem disparar o custo de vida e, se calhar, também a evasão fiscal. Daí ser preocupante que os decisores demorem uma eternidade em rodear-se de peritos e técnicos que ponham em marcha soluções sustentáveis que a todos contente e valorize. E que os agentes da ignorância atrevida, ávida de desordem pública, se julguem impunes.

Nem sempre há coragem para propor e decidir sem pensar nos benefícios passíveis de obter nas eleições seguintes. Mas também para denunciar a delinquência que tenta tudo sabotar. E é pena.

A equação até é fácil nesta aldeia global em que cabe à Região decidir se vai fechar as portas aos turistas, subtrair-lhes muito do que na origem presidiu à escolha do destino e taxar-lhes o ar e em que os madeirenses têm o dever de optar entre o embarque emocional no protesto que visa adensar o caos ou o pacto com os seus direitos que, com lucidez, executam nas eleições, nas petições, nas manifestações e nas acções de cada dia.

Se cada um fizer a sua parte, se a lei da oferta e da procura for consequente, se for aplicado o princípio mundialmente em vigor do utilizador-pagador, se as especificidades de cada lugar forem salvaguardadas, se forem honrados os interesses daqueles que aqui pagam impostos - e que não são poucos - por via das discriminações positivas, das isenções e de outras soluções, e se tudo for discutido com elevação porventura a Madeira não perderá 40% dos jovens nos próximos 33 anos, nem ficará, por capricho de alguns, orgulhosamente só.