É possível mobilizar meios aéreos do Continente em tempo útil para ajudar no combate aos incêndios na Madeira?
Bastou ao presidente do Governo Regional afirmar que os meios de combate aos incêndios que lavram na Região desde quarta-feira “são suficientes” para ‘incendiar’ as redes sociais e surgir uma cadeia de reacções políticas e de anónimos cidadãos. Um dos quais aproveitamos para esmiuçar.
“É preciso ser pragmático na aceitação de ajuda. Trazer 80 homens com enxadas e pás para ver o fogo a descer a serra a 3 ou 4 km de distância? A única ajuda útil seriam meios aéreos mas não é possível trazê-los em tempo útil porque não têm autonomia para chegar à Madeira e teriam de vir de barco. Não se trata de arrogância”, comentou um dos nossos ilustres leitores.
Será que os meios que operam no continente não conseguem fazer uma deslocação sem serem transportados por avião ou barco? Será que os bombeiros sapadores não conseguem atacar os fogos apeados?
Para contextualizar a tese, é preciso lembrar que Miguel Albuquerque foi contactado pelo ministro de Estado e dos Negócios Estrangeiros de Portugal. Paulo Rangel mostrou disponibilidade do Estado para o envio para a Madeira de meios de combate aos fogos, no entanto, para já, essa ajuda foi recusada, uma vez que na ocasião o incêndio percorria áreas inacessíveis não sendo possível afectar mais meios e "até o helicóptero nem sempre pode actuar devido ao vento”.
O chefe do Executivo fazia um ponto da situação ao fim de três dias e no qual continuavam a persistir três frentes activas, uma delas na encosta da freguesia do Curral das Freiras que chegou a motivar à evacuação de meia centena de moradores.
Ao início desta tarde, o secretário regional com a tutela do Serviço Regional de Protecção Civil entrou na discussão afirmando taxativamente que "os helicópteros não têm autonomia para fazer a viagem de Lisboa para o Funchal. Têm de vir de barco num contentor, como o nosso da primeira vez que veio para cá", justificou.
Resposta - Autonomia
É preciso distinguir entre um meio aéreo ligeiro, medio e um meio aéreo pesado. Um helicóptero A350 B3 Ecureuil é um equipamento ligeiro. Um BELL 212, é considerado médio e ainda existem os Kamov que são considerados pesados. Um avião Canadair, é um equipamento pesado.
Na Madeira opera um helicóptero médio usado nos ataques iniciais dos incêndios e pode transportar uma brigada heli-transportada. Encontra-se ainda equipado com um dispositivo de “balde” com capacidade para cerca de 900 litros de água. Possui um alcance de cerca 437 quilómetros e uma autonomia de trabalho de 90 minutos mas deve atender ainda à temperatura atmosférica, pois acima dos 40 graus essa autonomia pode ficar ainda mais reduzida. Ou seja, não consegue chegar à Madeira. Terá de vir de barco ou de avião militar ou comercial para encurtar tempo de uma viagem marítima que demorará três dias.
Há ainda a juntar ao tempo que corre e agudiza a aflição dos que assistem ao fogo que, procedimentos a adoptar relacionados com a carga e transporte que demoram sempre tempo mesmo tendo em conta o grau e o carácter de emergência, isto é, pelo menos um dia seria necessário para o transporte de avião, o que seria já uma corrida contra o tempo e um tempo recorde.
Avião
Outra opção seria o uso do Canadair, um avião anfíbio e cisterna, projectado especificamente para combate aéreos a incêndios. Tem uma autonomia de voo de 2.443 quilómetros. Ora, no mesmo exercício académico que fizemos para o helicóptero verificamos que a distância entre o Funchal e Faro são 925 quilómetros. Do Funchal a Lisboa 967 quilómetros. Ou seja, dá para chegar à Região facilmente.
Mas a pergunta que se impõe é: conseguirá operar?
Recorremos ao mesmo comandante que prefere reservar a sua identidade. O piloto é de opinião que sim. Que pode operar mas em determinadas zonas. No Curral das Freiras admite que seria mais difícil mas o voo poderia ser efectuado a altitude superior. E recorda o que se disse no passado: “Também diziam que o helicóptero não conseguia operar e veio a provar-se o contrário”, passando em revista o que foi dito e os benefícios de actuação desde 2018, altura em que o primeiro helicóptero começou a operar nos diferentes fogos florestais.
“O Canadair não tem a versatilidade do helicóptero mas consegue operar na Madeira, disso não tenho a menor dúvida”, diz-nos desde Lisboa, contornando de seguida a dificuldade técnica no abastecimento de água: “O mais indicado seria recolher água no mar para evitar aterragens e descolagens, mas poderia ser no aeroporto. Demoraria mais tempo”, resume de forma sucinta o plano de voo.
Sapadores.
Vamos agora aos meios humanos utilizados. Até às 13 horas estavam mobilizados apenas 10% dos bombeiros do universo regional. Isso mesmo foi confirmado por Pedro Ramos justificando este número com a inacessibilidade às frentes de fogo. As chamas lavram em regiões montanhosas, escarpadas como são as paredes basálticas do Curral das Freiras ou ainda nalguns pontos da Serra de Água.
Duas horas depois, o Governo Regional deu o dito pelo não dito e decidiu aceitar ajuda externa devido ao agravamento do incêndio, e o Serviço Regional de Protecção Civil informou que 80 elementos da Força Especial chegam à Madeira nas próximas horas para ajudar que tem várias frentes activas. Uma decisão que causou alguma estranheza em virtude do que dissera Pedro Ramos.
No passado, em 2023 no ano passado veio um contingente de bombeiros sapadores da Autoridade Nacional de Emergência e Protecção Civil transportados no avião da Força Aérea Portuguesa para apoiar as corporações da Madeira. Desde que foram accionados os elementos chegaram em poucas horas equipados com material sapador.
A percepção popular é que deveriam estar mais recursos no terreno a atacar o fogo onde era possível, nomeadamente no Jardim da Serra ou nalgumas zonas da Serra de Água onde de resto teve origem.
O incêndio deflagrou na quarta-feira na Ribeira Brava e propagou-se no dia seguinte ao município contíguo de Câmara de Lobos.
Dinheiro.
Toda esta operação de aquisição de serviços de locação de um helicóptero médio, para operações multi-mission, tem um custo elevado. O último procedimento foi de 7,2 milhões de euros de preço base num contrato por três anos.