Nunca houve cidadãos acusados pelos incêndios que ocorrem na Madeira?
“No que toca a incêndios, na Madeira, a culpa morre sempre solteira”, diz um leitor do DIÁRIO num comentário a uma notícia sobre o incêndio florestal que começou na quarta-feira de manhã na Serra de Água e mantém-se descontrolado, ao terceiro dia, tendo já chegado ao concelho de Câmara de Lobos.
Mas será que é mesmo assim e nunca são apuradas responsabilidades nos incêndios que deflagram na Região? É isso que vamos procurar aqui confirmar.
O incêndio que deflagrou na manhã de quarta-feira, nas encostas da Serra de Água, no concelho da Ribeira Brava, lavra há pelo menos três dias, mantendo-se ainda com três frentes activas, uma que ‘corre’ para Sul, em direcção ao Jardim da Serra, outra que segue para Norte, acompanhando o Caminho Real da Encumeada, e uma terceira na Trompica, que progride em direcção à Serra de Água, que originam maior preocupação da parte do Serviço Regional de Protecção Civil. É já considerado o maior incêndio deste ano na Madeira.
Logo na primeira hora não faltou quem apontasse as causas deste incêndio. Entre as ‘hipóteses’ levantadas sobressaíam um foguete do arraial que decorria na paróquia da Serra de Água, ou um braseiro de uma das barracas montadas para a festa. Mas, para já, são apenas especulações.
Certo é que a Polícia Judiciária está no terreno, procurando chegar à origem deste fogo, que já colocou em perigo algumas habitações.
Ora, num dos comentários a uma das notícias sobre este incêndio, um leitor do DIÁRIO apontava que “no que toca a incêndios, na Madeira, a culpa morre sempre solteira”, dando a entender que, este caso não seria excepção e que os possíveis culpados não seriam chamados à justiça.
Mas será mesmo que as causas dos fogos que fustigam a Madeira ficam sempre por apurar e os causadores do fogo ficam sem punição?
Para confirmar se assim é, repiscámos alguns dos incêndios mais marcantes da última década. Vamos, pois, focar a nossa análise no grande incêndio de Agosto de 2010, que teve início junto à Estrada da Eira do Serrado, de onde alastrou a toda a cordilheira central da Madeira; os fogos de 2016, um no Funchal e outro na Camacha; e outro mais recente, no ano passado, na Calheta, que depois alastrou até ao Porto Moniz, queimando uma extensa área agrícola e florestal naquelas localidades.
De fora desta análise ficam muitas outras situações relacionadas com fogos rurais e florestais, algumas das quais desencadearam perícias e investigações por parte das autoridades competentes.
No caso do incêndio de 12 de Agosto de 2010, e de acordo com as informações na altura divulgadas pelas entidades oficiais, teve início no sítio da Volta da Malhada, junto de uma residência abandonada, conhecida por ‘Casa Branca, na Estrada da Eira do Serrado, no limite dos concelhos do Funchal e de Câmara de Lobos, tendo rapidamente se propagado a várias localidades do concelho do Funchal, chegando mesmo à parte alta do concelho de Santana, queimando uma extensa área florestal no Maciço Montanhoso Central, Pico do Areeiro e Pico Ruivo incluídos. No Funchal, nem o Parque Ecológico foi poupado, bem como vários sítios das serras de São Roque e de Santo António.
Foi constituído arguido um homem, então com 54 anos, levadeiro de profissão, por suspeita de ter ateado o incêndio, ainda que não propositadamente, no referido local. Por ter sido indiciado pela prática de crime de incêndio florestal, o arguido incorria numa pena de prisão de um a oito anos, podendo elevar-se para uma pena dos três a doze anos de prisão, se em causa estivessem bens ou vidas humanas.
Acabou absolvido, pese embora “tenha assumido parcialmente os factos” na fase de inquérito, mas o tribunal não pôde valorar essa confissão porque “legitimamente, optou por ficar em silêncio” no decorrer do julgamento. A justiça não teve dúvidas de que o incêndio teve mão humana na sua origem, mas não foi feita prova de que o levadeiro fora o autor da queimada.
Em 2016, dois incêndios de grandes dimensões alarmaram na Região, no mês de Agosto. O primeiro, que teve início no dia 8, no sítio da Bugiaria, nas serras de São Roque, devastou todas as serras do Funchal e desceu até ao centro da cidade, causando três mortes, tendo, também, alastrado a outros concelhos limítrofes.
Foi constituído arguido um jovem de 24 anos, que veio a ser condenado a 14 anos de prisão, uma das penas maiores, que à data tinham sido determinadas em Portugal para crimes desta natureza.
O outro incêndio, a 15 de Agosto, no sítio do Vale Paraíso, na Camacha teve como arguido um homem servente de pedreiro, então com 51 anos de idade, que confessou ser o autor do crime, acabando condenado a três anos de prisão efectiva, atendendo aos antecedentes que possuía relacionado com estas matérias. Já havia sido condenado por um outro crime florestal, em Março de 2012, na mesma localidade da Camacha.
Mais recentemente, entre 11 e 15 de Outubro do ano passado, um incêndio que deflagrou no concelho da Calheta, no sítio do Lombo da Rocha, na freguesia dos Prazeres, tomou proporções incontroláveis e acabou alastrando ao concelho do Porto Moniz, queimando uma extensa mancha florestal.
Fruto das diligências investigatórias, foi constituído arguido um homem, de 46 anos, residente daquela localidade da Calheta. Foi um dos incêndios mais devastadores alguma vez registado naqueles dois concelhos, tendo implicado a acção de 223 operacionais e 48 viaturas. Depois de ter sido detido, o suspeito esteve internado na Casa de Saúde de São João de Deus, no Funchal, em tratamento, estado, agora, no hospital prisional de Caxias.
Com base numa perícia médico-legal psiquiátrica, a acusação conclui que o indivíduo sofre de esquizofrenia paranoide há pelo menos quatro anos, com delírios de perseguição, agravado pelo consumo de canábis. Pede o Ministério Público que o arguido seja declarado inimputável e que lhe seja aplicado o internamento como medida de segurança, por receio de que repita os crimes de que é acusado.
Ora, perante o exposto, podemos concluir que já foram vários os incêndios em que, depois de encontrados os autores do crime, estes acabaram punidos no âmbito do quadro legal português.
Considera-se, por isso, falsa a ideia de que os incêndios responsáveis por fogos que têm sido ateados na Madeira acabem “sempre” por não serem punidos pelos seus actos criminosos. Neste conjunto de quatro casos, pelo menos dois os arguidos foram punidos com pena efectiva de prisão, estando um a aguardar julgamento, tendo um deles sido absolvido.