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Fact Check Madeira

A Madeira é das regiões mais afectadas pela inflação das casas devido à procura dos estrangeiros?

Foto Shutterstock
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Os preços das habitações na Madeira, sobretudo no Funchal, mas que como foi possível perceber ainda esta semana, praticamente em todos os concelhos do arquipélago a média de preços estão incomportáveis para a maioria dos residentes. Muito se tem dito que a 'culpa' é do mercado, ou seja da lei da oferta e da procura, mas há quem também aponte o dedo aos estrangeiros que têm visto na Madeira, sobretudo desde a pandemia da covid-19, um 'porto seguro' onde viver.

Preço das casas na Madeira subiu 16,7% num ano e lidera ranking nacional

Comprar casa na Madeira já ultrapassa os 3.000 euros por metro quadrado

E como têm melhores rendimentos, compram casas mais caras, muitas vezes oferecendo mais do que a concorrência e, com isso, contribuem para aumentar os preços nas habitações em redor - esse é um dos factores que é tido em conta nas avaliações imobiliárias. Mas será mesmo assim? Será que os estrangeiros vieram ajudar a colocar a fasquia demasiado alta para os madeirenses? A resposta parece óbvia, mas nada melhor do que ver os números para o confirmar.

"No contexto da dinâmica do mercado imobiliário português dos últimos anos, procu­ramos responder a algumas questões: Qual foi o impacto da pandemia? Como está a reagir o mercado da habitação à inflação? Há ou não sobrevalorização dos preços das casas em Portugal? De que depende a acessibilidade ao mercado de habitação? O que mudou no mercado de habitação? O que podemos aprender da expe­riência internacional em política de habitação? Que estratégia pode Portugal seguir?", questiona a Fundação Francisco Manuel dos Santos, num estudo divulgado nos finais de Julho do ano passado, tendo por base dados entre 2019 e 2022. Entretanto, passou-se ano e meio e novos dados poderiam dar outra ideia, quiçá ainda mais agravada, mas também uma perspectiva de abrandamento dessa influência estrangeira.

"A evolução dos preços da habitação tem contribuído para a aceleração das desigualdades em muitos países, incluindo Portugal, onde o aumento dos preços da habitação tem superado os aumentos salariais. Esta evolução também afeta o mercado de arrendamento, uma das principais fontes de rendimento para investidores imobiliários e um dos principais gastos mensais para os inquilinos", refere. Ou seja, fica claro que não só o mercado da compra e venda como do arrendamento foi afectado. Mas deixemos esta parte de lado, porque, efectivamente o primeiro, maior e principal impacto parece ter ocorrido na aquisição de propriedade imobiliária. 

"Durante a pandemia de Covid-19, apesar da contração do PIB, os preços das casas continuaram a subir em Portugal. As políticas públicas de apoio durante a pandemia foram um instrumento importante de proteção do rendimento das famílias, e terão contribuído para o aumento dos novos empréstimos para aquisição de habitação", constata o estudo denominado "A Crise da Habitação nas Grandes Cidades". Efectivamente, como também temos dado nota consecutivamente, no que toca aos preços da habitação na Região, o principal motor e condutor de preços no mercado imobiliário é a capital, Funchal.

Funchal entre as cidades que requerem maior esforço por parte das famílias para arrendar casa

O Funchal está entre as cidades que requerem o maior esforço por parte das famílias para arrendar uma casa, sendo necessário destinar 86% dos seus rendimentos, revela o Idealista. 

"A inflação elevada e o aumento das taxas de juro em 2022 alteraram as decisões de consumo das famílias, levando a um menor recurso ao crédito à habitação", sendo que "os modelos utilizados na análise indicam que os preços da habitação em Portugal estão acima do que seria explicado pelos fatores macroeconómicos, sugerindo uma possível sobrevalorização do preço das casas. Identificaram-se períodos de exuberância nos preços da habitação em Lisboa e no Porto, que se mantêm no final de 2022", afiança. Além disso, refere-se: "Observou-se um crescimento da procura de estrangeiros por habitação em Portugal. O investimento é primor­dialmente executado por cidadãos europeus, que têm direitos constituídos, e impossíveis de limitar a nível nacional, para aceder ao mercado, sendo os vistos gold uma parte reduzida desse inves­timento. No âmbito fiscal, entre 2009 e 2020, existiu um universo limitado de cerca de 52 mil beneficiários de redução de IRS através do estatuto de residente não habitual. Principalmente desde 2014, o uso do parque habitacional para atividades turísticas como os alojamentos locais teve um impacto significativo nos preços das habitações (aquisição e arrendamento), especialmente em áreas turísticas."

Esse é um dos pontos a reter. Actualmente, existem 6.150 registos de Alojamentos Locais na Região Autónoma da Madeira, sendo que quase 96% surgiram desde Janeiro de 2014. Se avançarmos no tempo, mais de metade (53,5%) dos actuais registos de AL foram criados desde 2020 (primeiro ano da pandemia). Ora, sabendo-se que a maior parte dos turistas que visitam a Região são estrangeiros, também é crível que são os principais clientes do AL e quanto mais procuraram, mais incentivaram os proprietários a aderir a este negócio, mesmo com as dificuldades legislativas e fiscais entretanto criadas.

Vamos então ver os preços entre a avaliação e o valor da venda na Madeira, mas também no Funchal. Atente aos três quadros seguintes.

Resumidamente, o valor mediano da avaliação bancária da habitação aumentou 67,6% entre o 1.º trimestre de 2019 e o 1.º trimestre de 2024, sendo que nos três concelhos onde há dados disponíveis, Câmara de Lobos aumentou 73,2% e Santa Cruz cresceu 77,4%. Funchal, barómetro neste e em tantos outros indicadores, é único com valor acima da média regional, cresceu abaixo dos outros dois, quase 68%.

No valor médio (calculado com base em três meses, uma vez que os dados são divulgados mensalmente) das vendas por metro quadrado e domicílio fiscal do comprador, apesar de algumas lacunas na informação, que não permite ter uma noção cabal de toda a evolução, na RAM os preços aumentaram 69,2% entre o 1.º trimestre de 2019 e o 1.º trimestre de 2024. Os compradores com domicílio fiscal em Portugal (no geral, madeirenses e portugueses que tenham vindo para cá viver), o aumento foi de 68,2%. Contudo, por não haver dados de 2019, o aumento desde o 1.º trimestre de 2020 para compradores com domicílio fiscal no território nacional foi de 49,3%, enquanto que os com domicílio fiscal no estrangeiro foi de quase 53%, acima da média regional de 51,1% para o mesmo período.

Fica claro que os estrangeiros pagam mais, quando a diferença em 2020 era de mais 254 euros por metro quadrado face aos nacionais, sendo que 4 anos depois a diferença já é de 437 euros/m2. Uma aumento de 72%. O estudo da Fundação também chega a conclusão similar.

O estudo citado também dá essa ideia, lembrando que "importa realçar a natureza das fricções do mercado. Ou seja, as transações no mercado decorrem sempre que um comprador/arrendatário e um vendedor/senhorio encontram um negócio mutuamente benéfico. Contrariamente ao mercado de um bem vulgar, o processo de aquisição ou arrendamento de um imóvel é moroso. Arrendatários e compra­dores procuram habitações com determinada localização e características específicas, em termos de tipologia, estado de conservação ou mesmo disposição do espaço. No caso da aqui­sição, os compradores, além de procurarem um negócio exequível para si, têm necessidade de recorrer a instituições bancárias, que por sua vez também têm de avalizar a compra. Importa dizer que há uma 'décalage' (desfasamento) entre os preços da habitação e as avaliações bancárias nalgumas regiões, o que torna mais difícil a aquisição de imóveis com recurso a empréstimo, visto que os bancos apenas podem emprestar até um máximo de 90% do valor mínimo entre o valor de aquisição e o de avaliação do imóvel. Esta situação, em 2022, é mais visível em Lisboa, no Algarve e na Madeira."

Que soluções?

Desenho de política de habitação, segundo o estudo

"Não existem soluções imediatas para o problema de acessibilidade, que previsivelmente continuará a agravar-se nos próximos anos. Lidar com este problema requer uma visão de longo prazo e exige uma abordagem integrada: a nível macro, por meio de políticas governamentais e municipais coerentes, e a nível micro, através de projetos individuais.

No curto prazo, a estratégia deve ser dire­cionada para políticas do lado da procura, que apoiem, num horizonte temporal limi­tado e definido, as famílias em situações mais débeis, enquanto as bases da estra­tégia de médio prazo são implementadas e começam a surtir os seus efeitos.

No médio prazo, deve ser implementada uma estratégia assente na expansão da oferta efetiva, num aumento da sua elas­ticidade, num planeamento das cidades que queremos ter, numa política integrada de provisão de sistemas de transportes sustentáveis e de bens e serviços públicos, e providenciando qualidade habitacional aos cidadãos de forma sustentável, inclu­siva, harmoniosa, acessível e com menor volatilidade de preços e rendas.

Relativamente a restrições de procura, medidas absolutas para limitar a procura quer no alojamento local quer por parte de estrangeiros não são eficazes nem desejáveis, devido, por um lado, à grande heterogeneidade espacial do alojamento local e, por outro, à incapacidade de implementar limitações à entrada de estrangeiros nos mercados de habitação e ao reduzido impacto que teriam essas limitações e correspondente alteração da fiscalidade específica".

De acordo com um estudo da Fundação Francisco Manuel dos Santos sim. Mas o estudo, divulgado recentemente, apenas vai até 2022. E depois disso, será que essa premissa continua? Ou abrandou? Será que piorou no último ano e meio? A conclusão mais óbvia é que piorou. Mas a conclusão não é tão linear.