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Fact Check Madeira

É proibido parar na via rápida para ajudar alguém com uma avaria no automóvel?

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Uma automobilista recorreu ao Facebook para relatar o seu altruísmo quando viajava entre o Funchal e Câmara de Lobos e viu um automóvel imobilizado, com o condutor a solicitar ajuda. A condutora diz ter parado para ajudar e critica outros condutores por não terem tido um comportamento semelhante.

O relato ‘incendiou’ as redes sociais, com pessoas a elogiarem a atitude da referida condutora e muitas outras a criticarem e a alertarem para a prática de algo proibido e de risco elevado, tanto para quem ajuda como para os demais condutores.

Nesta verificação de factos, vamos colocar o foco apenas na questão formal e, assessoriamente, na da segurança, que é a que determina a norma legal.

Quando alguém encontra outra pessoa com o automóvel parado (imobilizado) na via rápida, devido a uma avaria, pode parra o seu carro para ajudar esse outro condutor?

Para respondermos à dúvida, vamos recorrer a dois tipos de recursos: documental e testemunhal. O documental é composto, antes de tudo, pelo Código da Estrada, mas também por decisões da justiça e esclarecimentos de escolas de condução e até do Instituto dos Transportes. O testemunhal será do instrutor de condução Gil Rodrigues.

O Código da Estrada (CE - artigo 69.º, 2-B) estabelece que ‘nas auto-estradas e respectivos acessos, quando devidamente sinalizados, é proibido’ ‘parar ou estacionar, ainda que fora das faixas de rodagem, salvo nos locais especialmente destinados a esse fim’.

Ora, poderá alguém contrapor que a via rápida Ribeira Brava / Caniçal não é uma auto-estrada. Terá razão se o fizer, mas, apesar de não o ser, está sujeita às mesmas regras que as praticadas nas auto-estradas por ser uma via exclusivamente destinada ao trânsito automóvel. É o que resulta do artigo 72-º do CE: ‘É aplicável o disposto na presente subsecção (IV - Do trânsito nas auto-estradas e vias equiparada) ao trânsito em vias exclusivamente destinadas a veículos automóveis.’

Estas proibições têm, como todas, excepções, que não são consideradas paragem do automóvel, mas ‘imobilização forçada’, que pode ser por avaria ou acidente. Estas imobilizações forçadas são, por definição, para quem é alvo delas. Se um automóvel deixar de andar por avaria fica, como é óbvio, imobilizado. Se estiver envolvido num acidente, acontece o mesmo. É algo que não depende da vontade das pessoas, dos condutores.

Um acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães (processo 313/18.5T8GMR.G1) refere-se a estas situações como de circunstâncias de maior.

No entanto, em Portugal existe o dever de prestar auxílio, sendo a sua omissão punida pelo Código Penal (art.º N.º 200), além de questões de natureza ético-moral que podem ser levantadas. A regra legal geral diz que ‘quem, em caso de grave necessidade, nomeadamente provocada por desastre, acidente, calamidade pública ou situação de perigo comum, que ponha em perigo a vida, a integridade física ou a liberdade de outra pessoa, deixar de lhe prestar o auxílio necessário ao afastamento do perigo, seja por acção pessoal, seja promovendo o socorro, é punido com pena de prisão até 1 ano ou com pena de multa até 120 dias”. Mas esta pena pode ser agrava ou não aplicada se, neste último caso, ‘se verificar grave risco para a vida ou integridade física do omitente ou quando, por outro motivo relevante, o auxílio lhe não for exigível”.

O que há a deduzir de tudo isto quando, como foi o caso, se encontra alguém na via rápida com o automóvel parado? Neste ponto, pedimos a ajuda de Gil Rodrigues da escola de condução ‘Alternativa – Loja do Condutor.

O instrutor tenta simplificar a linguagem e dar casos concretos para se perceber quando é que se pode ou não imobilizar o automóvel na via rápida. Desde logo, nunca quando um outro condutor tem o seu automóvel parado (imobilizado) devido a uma avaria. Nesses casos, querendo ajudar, o mais correcto é pedir ajuda, no caso concreto, ligando para a Vialitoral, mas pode ser pelo número de emergência.

No entanto, Gil Rodrigues diz, fundamentado na sua experiência, que a Vialitoral tem uma boa assistência, suportada em grande medida na cobertura integral da via concessionada por câmaras (CCTV) e que, por regra, a ajuda chega e de forma célere. Ainda assim, é sempre possível alertar a assistência e, mesmo que redundante, ‘mal não faz’.

Só se pode imobilizar o nosso automóvel na via rápida quando há alguém ferido e ainda não está ninguém a prestar assistência. Se já estiver alguém a prestar assistência, continue a sua marcha. Em caso de dúvida, ligue para a linha de emergência e relate o caso.

Novamente, Gil Rodrigues dá um exemplo. Se nos depararmos com um despiste de mota, em que há uma ou mais pessoas prostradas e ainda não há ninguém a assistir, aí, sim, devemos imobilizar o nosso automóvel, com todos os cuidados de segurança, e prestar assistência devida.

O instrutor deixa um forte apelo a que as pessoas não parem na via rápida, por ser um acto extremamente perigoso, para si e para os outros. Só mesmo quando há pessoas que são vítimas de acidente e ainda não têm qualquer assistência.

Gil Rodrigues diz, para termos uma ideia do que está em causa, que uma pessoa sofrer um embate de um objecto que se desloque a 80 km/h (um automóvel ou um pneu, como já aconteceu) equivale a cair de um quinto andar. Toda a gente sabe qual é o desfecho previsível dessa queda/embate.

Assim, como aqui fica demonstrado, tem razão o internauta, quando afirma que é proibido parar nas auto-estradas e vias equiparadas, no caso concreto, na via rápida. Por isso, a sua afirmação é verdadeira.

Uma nota final para esclarecermos que aqui não fizemos, nem o pretendemos, uma avaliação sobre as boas intenções de quem procede de uma maneira ou de outra, apenas o enquadramento legal e as consequências práticas. Ainda assim, não deixamos de ter presente o adágio popular sobre as boas intenções.

“É proibido parar para ajudar em autoestradas e vias equiparadas, depois acontecem os acidentes e não sabem porquê” – A. Silva – No Facebook