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Análise

Prioridades e falhanços

1.É uma prioridade construir um parque de estacionamento subterrâneo na Praça do Município, com capacidade para 500 automóveis? A Câmara, como o DIÁRIO noticiou na edição impressa de terça-feira, vai pedir um parecer à Direcção Regional de Cultura, dada a importância histórica dos edifícios que a circundam e a grande possibilidade de existirem achados arqueológicos, para, depois, avaliar se avança com a obra. Essa foi a intenção manifestada pela presidente da autarquia, Cristina Pedra, no início da semana, dando seguimento a uma promessa feita por Pedro Calado, na corrida à edilidade em 2021.

O tema divide políticos, historiadores e apaixonou a opinião publica num mês marcado pela habitual calmaria estival. Suscitou, inclusive, uma petição online, instrumento tão em voga actualmente, mas completamente banalizado. É preciso, antes de mais, centrar a questão e reflectir com a cabeça-fria.

Independentemente de todas as opiniões, julgo que nenhuma delas baseada em nenhum estudo sobre o local, será um contra-senso ou um crime de ‘lesa-pátria’ construir um parque no epicentro da cidade, numa praça icónica como aquela, rodeada por edifícios classificados? Exemplos de praças históricas com parques de estacionamento subterrâneos não faltam. Em Lisboa existem na emblemática Praça da Figueira, nos Restauradores ou no Largo do Carmo, só para dar três exemplos.

Tecnicamente quase tudo é possível, mas há muitos aspectos a considerar caso esta intenção se transforme em decisão. Para avançar com uma obra daquela envergadura e num local com o peso histórico que a Praça do Município tem, a Câmara tem de revelar não só o parecer que a Direcção Regional da Cultura vai emitir, como os impactos que a mesma vai gerar no tráfego rodoviário, no aumento da poluição e na mobilidade interna da própria cidade. O Funchal vai assumir que defende o aumento de trânsito no centro a bem, por exemplo, da actividade económica que eternamente se queixa de que as pessoas se concentram nos centros comerciais em detrimento do comércio tradicional, por dificuldades de estacionamento?

Para além de transformar a icónica praça num estaleiro durante meses, a autarquia tem de ponderar as reais mais-valias de ter no seu quintal viaturas a entrar e a sair a todo o momento, com tudo o que se isso implica na vida da cidade. É que de acordo com o Índice de Tráfego elaborado pela TomTom, o Funchal é a pior cidade do País no que respeita ao trânsito. Recolham todos os elementos, tornem-nos públicos e depois tomem uma decisão. Entretanto há eleições.

2.É preciso menos emoção e mais objectividade na análise ao caso do lince do deserto que tem vindo a mobilizar a opinião pública nas últimas semanas. Após o ‘pecado original’, que foi uma família ter ‘comprado’ e albergado um animal selvagem, o que é um acto ilegal, seguiram-se uma série de peripécias que carecem de explicação cabal e urgente de quem de direito. As entidades públicas responsáveis, neste caso o Instituto das Florestas e Conservação da Natureza não se pode escudar em nenhum tipo de subterfúgio, nem em jogos de palavras. Ao que parece o IFCN cedeu à perigosa pressão das redes sociais e a uma petição on-line com milhares de assinaturas, o que a ser verdade é perigoso. Um organismo público não pode ceder à emoção popular, nem condicionar a sua acção por qualquer factor externo. Tem de agir, de acordo com a lei e, neste caso, para salvaguardar o bem-estar do animal.

Por que motivo o lince não seguiu das instalações do Aquaparque para o zoo da Maia, como inicialmente estava previsto? Por que motivo teve de ser sedado para regressar a casa, se se tratava de um animal “domesticado”? Por que motivo o veterinário que sempre o acompanhou não reportou às autoridades competentes a existência de um animal selvagem numa casa particular? O que ditou, efectivamente, o regresso do bicho ao lar de acolhimento? Bastou uma declaração do veterinário que sempre agiu ao arrepio das normas internacionais?

Não se compreende a passividade e a benevolência da globalidade dos intervenientes neste caso, o que infelizmente culminou com a morte do animal, que merecia melhor sorte.

Por outro lado, não é chegado ao momento de a Região dispor de um local para acolher este tipo de animais? Há mais à guarda do IFCN em instalações que não são as mais adequadas.

3.A vida não pára em Agosto e há muita gente que trabalha. Mas há também quem queira mostrar serviço mesmo sem estar a trabalhar. Não deixa de ser caricato ver alguns políticos, uns eleitos, outros não, a encherem as redacções de comunicados espúrios e vazios, sobre tudo e sobre nada, que não acrescentam nem suscitam discussão. O objectivo, conhecido há séculos, é ‘marcar o ponto’ e dizer ‘não se esqueçam de mim, que mesmo quando tudo está parado eu continuo a trabalhar’.

A infantilização que muitos fazem da actividade política em nada ajuda na credibilidade da mesma. Ridiculariza-a.

Aos teimosos sigam um dos conselhos mais antigos da assessoria em comunicação: só se fala quando se justifica e quando se tem algo com valor para dizer. Banalizar a mensagem desgasta e fomenta o distanciamento. Aos que querem manter-se à tona a qualquer custo, mesmo estando a banhos outro conselho: descansem, leiam, reflictam sobre o futuro e o que sobre o que podem fazer pela melhoria das condições de vida dos cidadãos.