Pode o regime da Venezuela ser considerado autoritário?
Dois acontecimentos recentes espoletaram um conjunto de reacções nas redes sociais, a propósito do regime político da Venezuela. O primeiro foi as eleições presidenciais do dia 28 de Julho. O segundo a festa Luso-Venezuela, que decorre na Madeira, tendo começado ontem e terminando amanhã.
As notícias dos dois acontecimentos deram origem a muitos comentários nas redes sociais, nomeadamente sobre o regime político vigente na Venezuela. Muitos referem-se àquele país como estando sob um regime autoritário, uma ditadura. Terão razão as pessoas que fazem tais afirmações?
A verificação da veracidade ou não de tais comentários implica duas etapas. Na primeira, vamos tentar esclarecer o que é um regime autoritário e se existem diferenças relativamente a uma ditadura. Na segunda, tentaremos verificar se o regime de Maduro preenche os critérios para ser considerado autoritário ou ditadura.
Para estabelecermos as características dos regimes autoritários e ditatoriais socorremo-nos de estudos publicados em revistas internacionais sobre ciência política: Authoritarian Institutions and Regime Survival: Transitions to Democracy and Subsequent Autocracy, Joseph Wright, Abel Escribà-Folch, British Journal of Political Science, Vol. 42, N.º 2 (Abril 2012), pp. 283-309; Dictators and Dictatorships: Understanding Authoritarian Regimes and their Leaders, Natasha Ezrow, Erica Frantz, Journal of Peace Research, Vol. 50, N.º 4 (Julho 2013), pp. 534-535; Dictartorship, Encilopédia Britânica, actualizado a 31 de Julho de 2024.
Em síntese, o autoritarismo caracteriza-se por haver uma governação em que o poder está concentrado nas mãos de um líder ou de um pequeno grupo, sem a necessidade de responder à vontade do povo. As liberdades civis e políticas são frequentemente restritas e o governo pode exercer um controle considerável sobre a vida dos cidadãos.
Os regimes autoritários podem admitir a existência de parlamentos e de um poder judiciário, mas tendem a ser controlados pelo governo ou não são verdadeiramente independentes. A oposição política das oposições é frequentemente limitada ou reprimida.
A legitimidade de regimes autoritários pode ter várias origens, como ideologia, carisma do líder ou o sucesso na manutenção da ordem e segurança.
Em regimes autoritários podem existir eleições, mas, geralmente, não são livres ou justas.
Por sua vez, a ditadura é uma forma extrema de autoritarismo, onde o poder é exercido por uma única pessoa ou um pequeno grupo de forma totalitária. Não há divisão de poderes e o governante, o ditador, exerce controlo absoluto sobre todos os aspectos da vida pública e privada.
Numa ditadura, as instituições democráticas, quando existem, são apenas formais e não têm poder real, autêntico. A oposição política é geralmente inexistente ou completamente reprimida.
A legitimidade de uma ditadura advém muitas vezes do uso da força, da propaganda e da repressão brutal. Não há eleições livres e qualquer forma de dissidência é frequentemente silenciada por meio de censura, prisões ou violência.
Autoritarismo e ditadura são muito próximos, diferenciando-os o grau de poder e de controlo. Todos os ditadores são autoritários, mas nem todos os regimes autoritários são ditaduras. O autoritarismo pode permitir formas de pluralismo e instituições semi-independentes, ainda que limitadas, enquanto a ditadura elimina todas as formas de oposição ou autonomia das instituições.
Os dois sistemas rejeitam princípios democráticos de base, como a separação de poderes, eleições livres e o respeito às liberdades civis.
O caso da Venezuela
Estabelecidos os conceitos, vejamos a realidade venezuelana. Para isso, vamos recorrer a estudos de instituições internacionais, como a organização norte-americana Fredom House (Liberdade no Mundo 2023), a Human Rigts Watch (Venezuela Eventos 2022), a Amnistia Internacional (Venezuela 2023) e, acima de tudo, um estudo publicado e 1 de Março de 2024, pela Universidade Católica de Nanzan – Japão, intitulado ‘Authoritarianism and poverty in Venezuela: Twenty years after Chavismo’. O autor é Rafael Gustavo Miranda Delgado, da Universidad de Los Andes, Venezuela.
A atenção redobrada a este estudo deve-se ao facto de, no fundo, explicar o caminho desde Hugo Chávez à situação actual.
Todos os estudos referidos apontam no sentido de estarem em causa na Venezuela os direitos económicos, sociais e culturais, de se verificar repressão dos dissidentes políticos, ser condicionada a liberdade de expressão, de haver detenções arbitrárias e julgamentos injustos, execuções extrajudiciais, condições de detenção desumanas, violação dos direitos dos refugiados, das mulheres e das crianças, das pessoas LGBTI, entre vários outros.
Vejamos então, muito sinteticamente, o que apurou o estudo publicado pela Universidade Católica de Nanzan.
Durante os governos chavistas na Venezuela, houve um aumento do autoritarismo e da pobreza. O autoritarismo é apontado como a principal causa da pobreza, que, por sua vez, torna os cidadãos mais susceptíveis às políticas autoritárias do regime.
O caso venezuelano demonstra que uma democracia estável pode evoluir para um regime autoritário, especialmente quando o populismo perde estabilidade e competitividade democrática.
Na Venezuela, o declínio económico, a coesão interna do governo e a fraqueza da oposição facilitaram essa transição para o autoritarismo.
Actualmente, a pobreza generalizada no país é explicada principalmente pelas instituições políticas autoritárias do regime chavista.
Por limitações de espaço, aqui não incluímos os números e factos relatados nos relatórios das referidas instituições e no estudo referido. Mas eles existem e fundamentam as conclusões que adoptam (podem ser consultados on-line).
Assim, considerando os fundamentos teóricos, que nos são dados pela ciência política, e atenta à realidade venezuelana, espelhada nos estudos referidos, avaliamos como verdadeiras as afirmações que apontam no sentido de o actual regime protagonizado por Nicolás Maduro ser, se não uma ditadura, no mínimo autoritário.