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Crónicas

Aplausos e palavras bonitas

O nosso dia a dia é uma correria desenfreada. Trabalho, escola, filhos, pais, avós, atividades múltiplas e muitas vezes o transito para nos encurtar ainda mais o tempo. E vivemos tipo robots, formatados para as nossas funções, para o que a vida vai exigindo de nós. Umas vezes porque tem mesmo de ser e outras porque não definimos bem as nossas prioridades. Isso torna-nos stressados, ansiosos e pouco disponíveis para ver o que está à nossa volta. Em Portugal então passamos o tempo a queixarmo-nos, é o hábito do assim assim e do vai-se andando. Damos pouco valor ao que nos acontece de bom e tem vezes que nem o aproveitamos e gozamos como deve ser. Quando é mau é um verdadeiro drama. Alimentamos discussões ridículas e intrigas que corroem relações. Somos orgulhosos mesmo que esse orgulho nos prejudique a nós em primeira instância. A juntar a tudo isso há por aí muita gente que vive bem com o mal dos outros. Alimenta-se disso e por incrível que pareça aproveita-se da desgraça alheia para tornar os dias melhores como se o importante fosse saber que ainda há alguém pior do que nós. Gente cinzenta, pudica e ressabiada que se carrega de frustrações e dali não sai tal qual uma música em loop.

Essa forma de estar, estranha e triste provoca a vontade de criticar por tudo e por nada e uma profunda dificuldade quanto a domínio do elogio. Acha-se que por elogiar alguém se está a valorizar a pessoa em relação a nós ou arranja-se formas de desvalorizar o que é bem feito. Isso faz com que aqueles que andam sempre de sorriso na cara, altruístas e bem dispostos sejam constantemente um alvo a abater. Convivemos bem com a infelicidade dos outros mas quando vemos felicidade ficamos enervados e perturbados. Felizmente nem todos são assim como é evidente. Mas de um modo geral, faltam-nos palavras bonitas, esquecemo-nos constantemente de dizer às pessoas de quem gostávamos verdadeiramente que gostamos dela e que a nossa versão de nós, sem elas seria pior. A miúda que vai mal vestida na rua é olhada com ar de troça e comentários pequeninos e a que vai toda poderosa é cabra porque vai como as outras gostavam de ir. Temos muito pouco de “olhe, só para lhe dizer que está muito bonita e esse vestido é incrível”. Como nos esquecemos constantemente no trabalho de um “parabéns pelo trabalho”, “obrigado pelo esforço” ou toma lá um bónus pelo que nos fizeste ganhar.

Isso acaba por tornar as pessoas inseguras e com a sensação de que são pouco valorizadas. Mesmo em casa, os casais têm muita dificuldade em dizer “olha hoje estás super gira” ou “fica-te bem essa roupa”, “cheiras tão bem que só me apetece tirar-te a roupa e…”. Preferem sempre um “onde vais assim vestido?” Se estiver bonito ou um “vais assim?” se algo não lhes parece bem. Vamos baixando a auto estima uns dos outros e tornando as coisas monótonas e gélidas. Há uns dias uma amiga minha parou num posto de combustível para comprar tabaco e sentiu um homem a olhar fixamente para ela. Ela sentia-se tão observada que o olhar dele parecia perfurar as janelas do carro e a sensação de ter um holofote mesmo em cima. Passado um bocado daquele cenário ela começou a duvidar se o conhecia tal era a forma como ele olhava. Quando estava para arrancar o homem pediu-lhe para abrir o vidro e soltou um “desculpe mas tinha que lhe dizer que você é lindíssima, é mesmo bonita”. Ela primeiro ficou perplexa mas depois seguiu sorridente e provavelmente tornou o dia dela melhor. O problema é que se ela fosse outra se calhar ainda acusava o homem de assédio e armava uma peixeirada quando o homem não foi de todo deselegante.

Hoje em dia é difícil perceber o que se pode ou não dizer, que palavras se podem usar já que para alguns tudo é ofensivo. É tão raro ouvir um elogio que nem sabemos bem como reagir e as vezes até duvidamos se a pessoa não estará a ser sarcástica. Esquecemo-nos que uma palavra bonita pode fazer o dia de alguém, que um elogio transmite confiança e constrói sorrisos. Não custa nada. Eu sei que andamos tão preocupados com tanta coisa que por vezes isso nos passa ao lado mas era importante que cultivássemos esse hábito. O Mundo seria por certo um lugar melhor.

P.S. Um beijinho de parabéns para a Vanessa e boa estadia na maravilhosa ilha da Madeira.