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Fact Check Madeira

Existe a possibilidade de entrega do lince apreendido à sua proprietária?

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A apreensão de um lince do deserto (Caracal caracal) pela GNR a 3 de Julho numa quinta no Funchal e a sua colocação provisória num centro animal em Santa Cruz tem suscitado muita discussão nos últimos dias. Há muita gente que critica este procedimento das autoridades, pois considera que o espécimen não devia ter sido “retirado da sua família e do ambiente tranquilo onde viveu durante seis anos” para ser agora colocado “numa jaula pequena, fechada, completamente triste, stressado e depressivo”. Uma petição pública online que defende a entrega do lince à sua proprietária recolheu 18 mil assinaturas nos últimos dois dias. Será que existe essa possibilidade legal?

Desde já deixamos claro que não pretendemos analisar a tramitação da contraordenação por detenção de espécie de proibida mas somente a hipótese legal de restituição do lince, mesmo que provisória, à sua anterior detentora.

A questão da apreensão e subsequente destino de animais no direito processual penal e contraordenacional português foi objecto de uma análise profunda pelo magistrado do Ministério Público Raul Farias, no âmbito do I Curso de Pós-Graduação em Direito dos Animais realizado em Julho de 2018.

O lince caracal consta da lista de animais prevista na Convenção sobre o Comércio Internacional de Espécies da Fauna e da Flora Selvagem Ameaçadas de Extinção (CITES) cuja detenção é proibida por lei em Portugal. O Decreto-Lei n.º 121/2017, de 20 de Setembro, assegura a execução daquele acordo internacional. Este diploma estabelece que o Instituto da Conservação da Natureza e Florestas (IFCN) possui a competência para, sem prejuízo das competências de outras entidades fiscalizadoras (na Madeira, GNR, Polícia Florestal e Vigilantes da Natureza), promover a apreensão dos animais de espécies incluídas naquela convenção. Tem também competência para determinar o destino dos espécimes apreendidos e a comunicação do mesmo à entidade que efectuou a apreensão, bem como proceder à constituição de fiel depositário de espécimes apreendidos, temporária ou definitivamente.

No caso de espécimes vivos, o ICNF “pode determinar, no momento da realização da apreensão cautelar, o destino menos danoso para os mesmos, incluindo a constituição de fiel depositário”.

Raul Farias cita o decreto-lei n.º 315/2009, de 29 de Outubro, que aprova o regime jurídico da criação, reprodução e detenção de animais perigosos e potencialmente perigosos, enquanto animais de companhia, que possui uma norma específica, no caso o art.º 39.º, relativa à efectivação da apreensão de animais que serviram, ou estivessem destinados a servir, para a prática de alguma contraordenação. Diz este diploma que a entidade apreensora nomeia fiel depositário o centro de recolha oficial, o transportador, o proprietário dos animais ou outra entidade idónea. A nomeação do fiel depositário é sempre comunicada pela entidade apreensora à direcção de serviços de veterinária territorialmente competente em função da área da prática da infracção a fim de esta se pronunciar sobre os parâmetros de bem-estar, bem como do estado sanitário dos animais apreendidos, elaborando relatório. Sempre que o detentor se recusar a assumir a qualidade de fiel depositário idóneo ou quando não seja possível nomear depositário, a entidade apreensora pode diligenciar no sentido de encaminhar os animais para locais onde possa estar garantido o seu bem-estar, nomeadamente o retorno ao local de origem, ficando as despesas inerentes a cargo do detentor dos animais, caso o mesmo seja conhecido. A apreensão realizada poderá culminar, no final do processo, na perda do animal a favor do Estado enquanto sanção acessória.

Também a lei quadro das contra-ordenações ambientais (Lei n.º 50/2006, de 29 de Agosto) prevê que, em caso de apreensão cautelar de animais, “pode o seu proprietário, ou quem o represente, ser designado fiel depositário”.

Ou seja, a legislação permite que um animal apreendido seja restituídos ao seu proprietário, pelo menos de forma temporária e cautelar como fiel depositário, e tendo em conta o bem-estar daquele.

O lince pode “ficar com quem o criou. O mais importante neste momento é o bem-estar do lince”. – Anabela Macedo, subscritora do abaixo-assinado.