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Aliados e interesses

Henry John Temple, 3.º Visconde Palmerston (1784-1865), foi um político inglês que exerceu vários cargos, inclusive o de 1.º Ministro. Militava no partido Whig, mais tarde no partido Liberal, e esteve ligado às nossas lutas liberais, apoiando a Rainha D. Maria II e os constitucionais contra D. Miguel I. Como apoiou todas as transições do absolutismo para o liberalismo que se iam dando pela Europa.

Foi um nacionalista incondicional, dedicado a duas grandes tarefas: a construção do Império Britânico e impedir que qualquer potência europeia dominasse as outras (aliás, política que vinha já desde o tempo de Cromwell).

A concretização dessa política pode resumir-se numa frase que lhe é atribuída: a Inglaterra não tem aliados permanentes, tem interesses permanentes, e o nosso dever é persegui-los.

Para os despeitados do Ultimatum, e para os madeirenses lembrados da questão dos sanatórios (entre outras), temos aqui muito por onde meditar.

Se atentarmos ao que vai pelo Mundo, diríamos que Lord Palmerston fez escola.

Aquelas reviravoltas que faziam os mercenários na Europa dos séculos XVII-XVIII, mudando de campo a meio das guerras (atitude já então considerada execrável), passaram agora à prática de respeitáveis Nações.

Que o digam os que se fiaram em grandiloquentes promessas de apoio irrecusável e indiscutível, e se viram deixados para trás, pendurados nas rodas dos helicópteros ou dos aviões, condenados a migrar para países terceiros, em condições desumanas, para tentar sobreviver.

Após os cinquenta milhões de mortos da II Guerra Mundial, julgávamos que, na Europa e no Mediterrâneo, se havia instalado a Paz Perpétua. As Guerras dos Balcãs, primeiro, e as Guerras da Ucrânia e da Faixa de Gaza, depois, destruíram esse sonho.

Diferentes entre si, essas guerras têm em comum a irracionalidade. É irracional querer eliminar o vizinho por diferença de raça ou religião, é irracional invocar o direito de conquista no século XXI, é irracional não ver que o ignorar ou o acirrar das questões só pode levar ao conflito, é irracional fazer depender a vida dos outros dos nossos problemas internos.

Recordemos, uma vez mais, Sophia de Mello Breyner Andersen: Vemos, ouvimos e lemos / Não podemos ignorar.

Vamo-nos cingir à Europa e ao Mediterrâneo. Como ignorar as dezenas de milhar de mortos, os milhões de deslocados, o património destruído, as famílias dispersas, as memórias que se perdem, e outras que querem empenhadamente fazer desaparecer?

Para que, um dia, se invertem as alianças, em nome sabe-se lá por quê, normalmente apenas por estar a ficar muito caro, ou porque falharam as sábias previsões, ou porque há umas eleições a vencer.

Os heróis passam a marginais e os bestiais passam a bestas.

A crise dos mísseis de Cuba foi resolvida entre John Kennedy e Nikita Khrushchev, sem que o povo cubano tivesse sido ouvido num assunto que lhe ameaçava a própria existência. Na saída dos EUA do Afeganistão, nem os aliados ocidentais foram consultados – quanto mais os afegãos. E agora assistimos às diligências para resolver a Guerra da Ucrânia, sem que os ucranianos tenham uma palavra a dizer (excepto, naturalmente, os que estão no topo e têm futuro garantido).

E assim os combatentes pela Ucrânia, tal como os vietnamitas, os sírios, os curdos, os afegãos, os libaneses, os líbios, e muitos mais, arriscam a ser maltratados por ter resistido, de armas na mão, aos novos aliados...