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Crónicas

Venezuela

1. Realizaram-se ontem as eleições presidenciais na Venezuela. À hora que escrevo estas linhas é-me impossível saber o resultado. Todos os actos eleitorais são momentos cruciais para o futuro de um país. Se isto é geralmente assim, imaginem o que não será num país que vive há anos uma profunda crise política, económica e social sob o regime de Nicolás Maduro.

Desde a ascensão de Hugo Chávez ao poder em 1999, seguido pela eleição de Nicolás Maduro após a morte deste em 2013, a Venezuela vive uma transição para um regime cada vez mais autoritário. As sucessivas eleições no país, especialmente as presidenciais, têm sido amplamente criticadas por falta de transparência, manipulação de resultados e repressão de opositores.

Em 2023, numa tentativa de mitigar a crise política e económica, o governo venezuelano e a oposição assinaram o “Acordo de Barbados”. Este visava criar condições para a realização de eleições livres e justas em 2024, em troca do alívio de algumas sanções internacionais impostas pelos Estados Unidos e outros países. Contudo, a implementação deste acordo foi muito problemática, com o governo de Maduro a ser frequentemente acusado de não cumprir as suas promessas.

A oposição unida numa frente ampla realizou eleições primárias em outubro de 2023 para escolher o seu candidato presidencial, e María Corina Machado foi eleita por uma ampla maioria. Participei, como observador no processo, e vi nos olhos dos venezuelanos a esperança de um novo amanhã. No entanto, Machado já havia sido inabilitada para concorrer a cargos públicos devido a acusações administrativas politicamente manipuladas. Estas inabilitações são uma táctica comum do regime de Maduro para enfraquecer a oposição, recorrendo a justificações muitas falsas, triviais ou fabricadas.

Apesar da inabilitação, a popularidade de Machado continuou a crescer, mobilizando grandes multidões em comícios por todo o país. A oposição, tentando contornar as barreiras impostas, nomeou vários substitutos para a candidatura, mas enfrentou dificuldades técnicas e burocráticas para formalizar essas mesmas candidaturas. Em março de 2024, Corina Yoris, uma académica de 80 anos, foi nomeada como substituta, mas o governo impediu o seu registo criando problemas no sistema de registo eletrónico obrigatório.

O governo de Maduro tem usado cada vez mais a repressão que inclui a prisão de líderes oposicionistas, a intimidação de activistas e o assédio a pequenos negócios que apoiam a oposição. Um exemplo notório foi a emissão de ordens de captura contra o círculo mais próximo de María Corina Machado.

Além disso, a administração de Maduro manipula o processo eleitoral através da criação de barreiras administrativas que dificultam o voto dos venezuelanos no exterior. Estima-se que apenas uma pequena fração dos milhões de venezuelanos expatriados conseguirá votar devido a estas barreiras. O governo também tem dispersado centros de votação por áreas remotas e pequenas, dificultando a monitorização pela oposição.

A comunidade internacional tem acompanhado de perto o desenrolar dos eventos na Venezuela. Diversas nações e organizações pressionaram o governo de Maduro para garantir um processo eleitoral justo. Contudo, a eficácia destas pressões é limitada, dada a complexidade da situação política interna.

A União Europeia, que inicialmente havia sido convidada para observar as eleições, foi posteriormente “desconvidada” pelo governo venezuelano, que alegou que as sanções da UE afectavam negativamente a população. No entanto, as sanções são dirigidas principalmente a indivíduos do regime por violações de direitos humanos e abusos antidemocráticos.

Na passada 6.ª feira uma Delegação do PPE, onde estava o deputado Sebastião Bugalho, foi impedida de entrar na Venezuela para acompanhar o processo.

Malgrado as dificuldades a campanha da oposição tem atraído multidões em todo o país, mesmo após Maduro ter ameaçado com um banho de sangue e uma guerra civil, caso perca a eleição. Uma vitória desejada da oposição, difícil dadas as condições, poderá marcar o início de uma transição democrática na Venezuela.

A capacidade da oposição de superar as barreiras impostas pelo regime de Maduro e a resposta da comunidade internacional serão determinantes para o futuro político do país onde residem tantos madeirenses. A história continuará a ser escrita, com a esperança de que o país possa, eventualmente, retomar um caminho de democracia e justiça.

2. Os partidos políticos são encarados por muitos como entidades cujo propósito é influenciar a governação, moldando políticas e decisões. No entanto, existe uma perspectiva que vai além desta visão convencional. Alguns, incluindo eu, acreditam que o verdadeiro objectivo dos partidos políticos é vencer eleições e assumir a governação. Executar ao invés de influenciar.

A verdadeira missão de um partido político reside na sua capacidade de conquistar o apoio necessário para alcançar o poder e implementar as suas políticas. Embora a influência na governação seja importante, esta só pode ser exercida plenamente quando um partido está no governo. Portanto, ganhar eleições não é apenas um meio para um fim, mas sim um fim em si, indispensável para que as propostas do partido sejam realizadas de forma efectiva.

A ambição é um elemento fundamental na política. Políticos sem ambição têm uma visão limitada, restringida pela sua própria falta de aspiração. O medo de ambicionar não pode limitar a vontade de fazer política. A ausência de ambição enfraquece a determinação e o propósito de um partido, tornando-o incapaz de promover mudanças significativas. A política exige coragem e a disposição para alcançar grandes metas, e esta coragem só pode surgir de uma ambição bem alicerçada.

Foi Aristóteles quem disse: “O homem é, por natureza, um animal político”. O filósofo destacava a necessidade inerente de participação activa na vida pública, uma participação que deve ser guiada pela ambição de transformar a sociedade.

Participar em eleições sem o objectivo de vencer é, a meu ver, uma abordagem pouco ambiciosa. Partidos que não aspiram a ganhar eleições e governar estarão sempre destinados à mediocridade. Permanecerão pequenos em alcance e impacto, pois a verdadeira mudança só pode ser efectuada a partir do poder. A ambição de governar deve ser o motor, por ser esta ambição que alimenta a dedicação e a inovação necessárias para alcançar e manter o poder.

“Onde há uma vontade forte, não pode haver grandes dificuldades”, disse Maquiavel que procurava assim sublinhar a importância da determinação e da ambição na superação dos desafios políticos.

Os políticos que se contentam em apenas influenciar não exploraram todo o seu potencial nem o dos seus partidos. A grandeza é medida pela sua capacidade de liderar, e esta deve ser a meta primordial de quem aspira a fazer a diferença. Uma política desprovida de ambição é uma política diminuída, e aqueles que participam nela sem a coragem de aspirar a mais estarão sempre aquém das suas verdadeiras possibilidades. A ambição de grandeza é essencial para alcançar feitos notáveis, como bem referiu Disraeli: “A vida é demasiado curta para ser pequena”.

3. Saiu o Boletim Estatístico de Emprego, Trabalho e Formação Profissional-Junho 2024. A análise detalhada dos dados, no que se refere à Região, levanta preocupações sobre a exactidão e transparência das informações apresentadas. A inclusão de participantes em programas temporários, como Programas de Ocupação Temporária (POT’s), estágios profissionais e acções de formação, como empregados, distorce a verdadeira situação do mercado de trabalho, inflacionando artificialmente os números de emprego.

Esta aparente redução dos pedidos de emprego de 8.498 em Maio de 2023 para 6.832 em Maio de 2024 certamente que não representa uma melhoria genuína. Reafirmo que a transferência de beneficiários para programas temporários que não oferecem estabilidade a longo prazo pode ser responsável por esta diminuição. Além disso, a falta de clareza sobre se os dados incluem madeirenses que emigraram levanta dúvidas sobre a precisão dos números.

A variação na remuneração média mensal deve ser examinada com cautela, pois a inclusão em empregos precários não reflecte uma melhoria real nas condições de vida de quem trabalha. Por outro lado, mediana do rendimento apresentada no relatório é enganadora. Poucos podem ganhar muito e muitos ganhar pouco, o que não reflecte a verdadeira distribuição dos rendimentos.

Numa economia querida sustentável, é essencial que os dados estatísticos sejam exactos e que a sua análise seja honesta, evitando manipulações que distorcem a realidade económica e social da região.

A boa governança não se pode apoiar em questões pouco claras como estas.