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Eles, nós, e o oceano a meio!

Uma vez fiz uma pergunta a um açoriano, uma questão aparentemente ingénua, mas que acaba por ter tanto de provocação como dificuldade e incerteza na resposta, “o que é ser açoriano”?

A resposta surpreendeu-me, mas já lá iremos.

Quando se procura a identidade própria de um povo, procura-se características que tornam esse povo distinto de outros, algo que agrega quem a ele pertence, geralmente pela positiva, em suma, algo que os faz gostar de ser quem são. Esta busca por identidade tem sido uma constante no arquipélago vizinho. Seja na sua literatura e comunicação social, política e vida pública, chegando mesmo a fazer um congresso sobre o tema em 1938, propositadamente em Lisboa para agregar os continentais à discussão, trazendo dimensão nacional.

Logo desde o início antevejo uma resposta muito subjectiva. A lupa genética é de pouca utilidade pois os três territórios portugueses têm grande similitude, salvo os marcadores indicativos da migração Flamenga para os Açores, e outros subsaarianos na Madeira e no sul do Continente.

O grande pensador e criador do conceito de “Açorianismo” foi Vitorino Nemésio, que o definiu como “Somos gente nova (...), como homens estamos soldados historicamente ao povo de onde viemos e estamos enraizados pelo habitat a uns montes de Lava (...), como sereias, temos uma dupla natureza: somos de carne mas também de pedra, os nossos olhos mergulham no Mar”.

É um povo que na história lidou com a insularidade primária, secundária e, no caso de alguns povoados mais isolados, até terciária. Não há melhor argamassa para fazer resiliência.

É um povo embarcadiço, tal como outros ilhéus. Trocar de ilha era uma coisa de um ou mais dias. Ir à metrópole era uma coisa de uma ou mais semanas. O apego à terra era cimentado pela saudade. O mar, uma presença constante. Têm o ponto mais ocidental da nação e também o mais alto, e o mais baixo no oceano. Um mundo de extremos…

Como li algures, os açorianos têm os pés firmes na Europa, a sua alma no oceano e a cabeça virada para a América.

Teófilo Braga fez o diagnóstico e acrescenta a “doença” do açoriano, o “Complexo da Desimportância”, no qual o doente quer, deseja, sonha, luta e acaba mesmo frustrado quando não tem a importância que julga merecer. O remédio difícil de engolir, o “engonhanço” da Pátria é um efeito lateral constante.

O que os uniu foram os valores e o sofrimento. A Igreja sem dúvida, moldando ao longo de séculos as tradições, de que o Espírito Santo é o maior exemplo. O espírito solidário das gentes do Atlântico foi forjado por repetidas agruras muito além do isolamento, seja fome, doenças, tempestades, vulcanismo, terremotos e tudo mais que o demo se tenha lembrado.

Se a identidade é conjuntivo, o bairrismo é disjuntivo, e ambos fazem parte da história açoriana, e há nove razões no arquipélago que levam a isso. Assim, não haverá uma identidade açoriana mas uma palete de tons, tantas como o céu por cima do oceano.

A resposta à minha pergunta foi isso tudo: “Somos um povo que gosta de viver no fim do mundo, sem abdicar de ser um povo espalhado pelo mundo e receber todos de braços abertos”.

Creio que a pergunta mais difícil, e que poucas vezes é colocada, menos ainda respondida, tantas vezes desvirtuada, será saber o que é a Madeirensidade?