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Crónicas

Circunstâncias e Reformismo

1. As circunstâncias na vida política são um factor determinante que não pode ser ignorado ao analisar o desenvolvimento e a prática das políticas em cada momento. Desde os tempos mais antigos que filósofos e pensadores políticos reconhecem a influência das condições externas e internas no comportamento dos governantes e dos governados. Aristóteles, por exemplo, ao discutir as diferentes formas de governo, já considerava as variáveis ambientais e sociais que moldam a eficácia e a justiça dos regimes políticos.

As circunstâncias podem ser entendidas como o conjunto de condições que determinam um evento ou situação, incluindo factores económicos, sociais, culturais, e até naturais. Estes elementos conseguem influenciar decisivamente as decisões políticas e a estabilidade dos governos. Num contexto de crise económica, por exemplo, as políticas adoptadas tendem a ser mais austeras, com medidas que visam a contenção de gastos e a reestruturação financeira. Por outro lado, em tempos de prosperidade, é provável que as políticas se orientem para o investimento em infraestruturas e o bem-estar.

Na esfera política, as circunstâncias externas, como a pressão de outros países ou organizações internacionais, também desempenham um papel crucial. A globalização intensificou este fenómeno, fazendo com que as nações tenham de considerar, cada vez mais, os interesses e as políticas dos seus pares. A interdependência económica e a diplomacia são áreas onde as circunstâncias externas se manifestam de maneira mais evidente, influenciando as alianças, os tratados e as estratégias de desenvolvimento.

Além disso, as circunstâncias internas, como a opinião pública, os movimentos sociais, e a saúde das instituições democráticas, moldam o cenário político. Governos que desconsideram a vontade popular ou que não respondem adequadamente aos apelos sociais arriscam perder legitimidade e enfrentar movimentos de contestação. A qualidade das instituições, por sua vez, determina a capacidade de um governo de implementar políticas eficazes e justas.

Assim, ao olhar para a vida política, é imprescindível considerar as circunstâncias em que as decisões são tomadas e nas quais as políticas são implementadas. Uma análise política que desconsidere o contexto é necessariamente incompleta ao ignorar as forças que actuam sobre os agentes políticos. Reconhecer o papel das circunstâncias permite uma compreensão mais profunda e realista da dinâmica política, promovendo uma visão crítica e informada sobre os desafios e as possibilidades enfrentadas pelos governantes e pelas sociedades.

2. José Ortega y Gasset, um dos mais influentes filósofos espanhóis do século XX, é um dos meus favoritos, por oferecer uma perspectiva rica sobre o papel das circunstâncias na vida política. Para Ortega y Gasset, a vida é essencialmente “vida com circunstâncias”, significando que a existência de um indivíduo ou de uma colectividade é sempre inseparável do contexto em que se desenrola. Este conceito, central na sua filosofia, pode ser aplicado de maneira elucidativa ao campo da política.

Segundo Ortega y Gasset, as circunstâncias não são meros cenários passivos, mas forças activas que moldam a realidade e as acções humanas. Na esfera política, isto implica que os governantes e as suas políticas não podem ser compreendidos isoladamente, mas apenas à luz das condições específicas em que actuam. A “circunstância” política inclui factores históricos, culturais, económicos e sociais que, em conjunto, determinam as possibilidades e os limites da acção política.

Ortega y Gasset argumenta que cada geração enfrenta um conjunto único de circunstâncias que define os seus desafios e as suas oportunidades. Na sua obra “A Rebelião das Massas”, analisa como as mudanças demográficas e sociais moldaram o comportamento político das massas e dos líderes. A ascensão das massas, por exemplo, transformou a dinâmica do poder e exigiu novos modos de governança que respondessem às necessidades e aspirações de uma população em constante mudança.

Para Ortega y Gasset, a política é uma resposta às circunstâncias. Os líderes políticos eficazes são aqueles que compreendem profundamente o seu contexto e conseguem articular uma visão que responda adequadamente às suas exigências. Esta visão não é estática, mas dinâmica, adaptando-se constantemente às novas realidades impostas pelas circunstâncias mutáveis.

Além disso, o filósofo sublinha que a consciência das circunstâncias deve conduzir a uma atitude de responsabilidade.

Numa perspectiva reformista, podemos dizer que a adaptação às circunstâncias não se dá apenas pela compreensão passiva destas, mas também pela implementação activa de mudanças que respondam às novas realidades. O reformismo, entendido como um movimento que busca mudanças graduais e ordenadas no sistema existente, é uma abordagem que Ortega y Gasset poderia considerar coerente. Os reformistas reconhecem que as condições sociais, económicas e políticas estão em constante mudança e, portanto, as estruturas e políticas devem ser ajustadas de forma contínua para se manterem relevantes e eficazes.

Uma abordagem reformista, neste sentido, implica uma leitura constante e atenta das circunstâncias e a implementação de ajustes que permitam a adaptação a novas exigências.

Em suma, a visão de Ortega y Gasset sobre o papel das circunstâncias na vida política sublinha a inseparabilidade do ser humano e do seu contexto. A política, vista sob esta luz, é um esforço contínuo de adaptação e resposta ao mundo em que vivemos. A incorporação do reformismo como uma estratégia para essa adaptação reforça a ideia de que a mudança é não apenas inevitável, mas também necessária para a manutenção de uma ordem política justa e eficaz. Compreender esta relação intrínseca entre o homem, as suas circunstâncias e a necessidade de reforma é essencial para qualquer análise séria e crítica da vida política.

3. O movimento “woke”, na sua constante busca por validação moral, tornou-se um espetáculo de hipocrisia e superficialidade, onde a profundidade das ideias é sacrificada no altar da virtude ostensiva. Se analisarmos de perto, veremos que o movimento não só falha nos seus objectivos proclamados, como também contribui para a polarização e fragmentação social, que seria risível se não fosse tão destrutivo.

O culto à identidade no mundo “woke” transforma cada interacção social num campo minado de sensibilidades. Cada palavra deve ser medida, cada pensamento, filtrado, para não ofender as múltiplas identidades que se amontoam na arena do “wokismo”. Este ambiente asfixiante não só sufoca o discurso livre, mas também cria uma cultura de paranóia e autocensura. A honestidade intelectual é a primeira vítima, substituída por uma conformidade forçada e sem sentido.

A justiça retributiva, uma pedra angular do movimento “wokista”, transforma a justiça social num exercício de vingança. Em vez de procurar a reconciliação e a transformação social, optam por expor e punir os ditos ofensores, cancelando-os. A cultura do cancelamento é a ferramenta preferida para este propósito, onde a “justiça” é aplicada de maneira capciosa e desproporcional. Uma pessoa pode ser cancelada por uma piada, um comentário descontextualizado ou até mesmo por uma simples discordância. O resultado é uma sociedade cada vez mais fragmentada e incapaz de perdoar ou aprender com os erros cometidos.

A censura e o silenciamento são práticas rotineiras no mundo “woke”. A liberdade de expressão, um pilar fundamental das sociedades democráticas, é tratada como um obstáculo. Qualquer opinião dissidente é rapidamente rotulada como perigosa e excluída do debate público. Este ambiente de intolerância intelectual não só limita a diversidade de pensamento, mas também impede o progresso genuíno, que só pode ser alcançado através do confronto e da síntese de ideias divergentes.

O “wokismo” também se destaca pela sua incapacidade de reconhecer as suas contradições. Enquanto clamam por justiça e igualdade, as suas práticas frequentemente perpetuam exatamente o oposto. Promovem políticas identitárias que dividem em vez de unir, fomentando ressentimento e desconfiança entre diferentes grupos sociais. A inclusão é pregada, mas apenas para aqueles que aderem rigidamente à ortodoxia “woke”, criando um ambiente de exclusão e hostilidade para os que ousam pensar de forma independente.

Além disso, a luta woke concentra-se frequentemente em questões simbólicas e superficiais, enquanto ignora problemas estruturais mais profundos. A remoção de estátuas, a mudança de nomes de prédios ou a criação de novos pronomes são ações que podem ter valor simbólico, mas não abordam as raízes das desigualdades. Tratam as causas deixando as razões de fora.

A maior ironia do movimento “woke” é sua percepção de ser progressista, quando, na verdade, as suas ações frequentemente resultam em retrocesso, são, na maior parte delas, altamente conservadoras. Ao dividir a sociedade em pequenos grupos de identidade e ao promover a censura e a vingança em vez do diálogo e da compreensão, o “wokismo” acaba por reforçar as próprias estruturas de poder e opressão que afirma combater.

O “wokismo” não passa de uma caricatura grotesca de si. É um espetáculo de virtude vazia, onde o progresso é sacrificado em nome de uma moralidade vazia ou superficial.