Em dez anos a Madeira reduziu para metade as pessoas na pobreza?
No debate do Orçamento da Região para 2024, que decorreu na última semana na Assembleia Legislativa da Madeira, nem foi preciso esperar pelos trabalhos na especialidade para que a questão da pobreza se tornasse um dos pontos mais controversos.
Ainda durante o debate na generalidade, foi grande a polémica sobre se a Madeira tem mais pobres do que os Açores ou se aquela região autónoma tem um índice de pobreza maior. Aqui não nos debruçaremos sobre esse aspecto, na certeza de que as duas regiões se têm revezado na liderança de pessoas em risco de pobreza e que, nas duas, é superior à média nacional.
Vamos debruçar-nos somente sobre uma afirmação do secretário regional das Finanças. Rogério Gouveia, para realçar o trabalho que os governos, que tem integrado, vêm a realizar, disse: “Nos últimos dez anos, a Região quase reduziu a metade a taxa de pessoas nessa situação (pobreza).”
Mas será que a afirmação encontra suporte na realidade ou terá o governante exagerado para a obtenção dos naturalmente desejáveis dividendos políticos?
A verificação da veracidade vai assentar em dados oficiais, no caso, publicados pela Direcção Regional de Estatística da Madeira (DREM), a partir de dados do INE e do EU-SILC: Inquérito às Condições de Vida e Rendimento 2018-2023.
Seguimos, assim, os chamados Indicadores Europa 2030. São dados que se referem a um conjunto de metas e indicadores estatísticos definidos pela União Europeia (UE) para orientar e medir o progresso em direcção a objectivos específicos até o ano 2030. Estes indicadores fazem parte de estratégias políticas e económicas da União, como o Pacto Ecológico Europeu, a Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável da ONU e outras políticas europeias relacionadas com a sustentabilidade, inclusão social, economia e inovação.
Os dados, que vamos considerar, são os ligados à inclusão social.
A nota da DREM, incluída na divulgação dos dados, explica que, “no âmbito da estratégia Europa 2030, definiu-se o conceito de privação material e social para a monitorização de pobreza e exclusão social. Os indicadores de privação material e social baseiam-se num conjunto de treze itens relacionados com as necessidades sociais e económicas e de bens duráveis das famílias.”
A análise aos dados publicados pela DREM, no dia 4 de Junho deste ano – Rendimento e Condições de Vida, R.A. Madeira, 2015-2023, permite verificar que, desde logo, Rogério Gouveia não diferenciou os conceitos de ‘Risco de pobreza ou exclusão social’ de ‘Taxa de privação material e social’ (severa ou não).
No entanto, os dados revelados para a taxa de risco de pobreza ou exclusão social apenas incidem no período entre os anos de 2017 e 2023. Ora, como Rogério Gouveia referiu-se aos “últimos dez anos”, temos de aceitar que o governante se referia à taxa de privação material e social, para a qual existem dados de 2015 a 2023, nove anos.
Vejamos, agora, separadamente, os dados sobre a privação material e social e os dados sobre a privação material e social severa, na Madeira, no período referido.
O primeiro indicador, taxa de privação material e social, revela-nos que, em 2015, havia 36,5% de madeirenses nessa condição. No ano seguinte, 2016, é iniciada uma descida, que se mantém constante até 2019, quando são registados 20,1%. Em 2020, primeiro ano da pandemia por covid-19, a mesma taxa sobe para 24,4%, mas nos anos seguintes volta a descer até se fixar em 17,8%, em 2023.
Constata-se, assim, uma quebra de 51%, entre 2015 e 2023.
Olhemos, então, para o que aconteceu com a taxa de privação material e social severa. Em 2015, esse indicador era de 18,6%. Nos anos seguintes, registou uma progressão semelhante à da taxa de privação material e social, ao decrescer até 2019, aumentar em 2020 e voltar a diminuir constantemente até 2023, quando se fixou em 6,3%. Uma quebra de 66% em nove anos.
Pelos dados oficiais, aqui analisados, constatamos que a afirmação de Rogério Gouveia é verdadeira. Houve uma diminuição para metade dos indicadores de pobreza na Madeira, aqui na acessão dos Indicadores Europa 2030 – ‘Taxa de provação material ou social’. Além disso, a mesma taxa, mas no aspecto mais ‘severa’, caiu dois terços.
Não invalida esta análise que a pobreza não continue a ser um problema sério na Madeira. A Região tem uma taxa, no indicador da forma mais gravosa da pobreza (privação material e social (severa)), bem mais expressiva do que a média de Portugal. As pessoas em risco de pobreza continuam, igualmente, a ser muitas, em especial, antes dos apoios sociais.
No entanto, como referido, a afirmação de Rogério Gouveia, na formulação que usou, deve de ser avaliada como verdadeira.