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Chegou o momento de construir

E nas mãos dos nossos representantes na Casa da Democracia está a chave do nosso futuro comum

“Chegou o momento de sarar as feridas. Chegou o momento de transpor os abismos que nos dividem.

Chegou o momento de construir.”

Lembrei-me destas palavras proferidas por Nelson Mandela, no seu discurso de tomada de posse como Presidente da África do Sul, em 1994, porque hoje comemora-se o Dia Internacional Nelson Mandela. Passados trinta anos, e mesmo vivendo em contextos diferentes e realidades díspares, com velhos e novos problemas, há sempre um ensinamento a reter das palavras e ações de um homem que mudou o rumo da História e da própria humanidade.

Nos últimos tempos, assiste-se, demasiadas vezes, a uma deliberada forma de ignorar a História e as suas lições, que nos faz persistir num círculo vicioso que constrange e dificulta a caminhada em direção a uma sociedade mais forte, segura e empática.

Sinal do tempo presente é igualmente o constante clima de guerra, quer seja real, que assistimos em direto, protegidos pelo écran, quer seja verbal, como se falar mais alto, insultar e ridicularizar fosse sinal de superioridade. Claro que a proliferação das redes sociais, e de perpassar por muitos a sensação que se pode escrever tudo o que se quiser, sem filtros nem empatia, potencia o estado de sítio. Muitos veem nessas atitudes de bullying pessoal, social e político uma forma de dominar pelo medo. Centrando-me no ataque político, por vezes parece que muitos agentes políticos são discípulos de Maquiavel, considerando que “os objetivos de um governante são a conquista e manutenção do poder, sendo o estado de guerra uma situação permanente na arte de governar”. E facilmente conseguimos dar rosto à frase de Maquiavel, no seu livro O Príncipe: “A guerra é a única arte necessária para quem comanda”.

Mas a defesa da guerra ou de atos criminosos não pode ser entendida em sentido literal, até porque o mesmo autor defendia que “são métodos que podem conduzir ao poder, mas não à glória”.

A política não deixa de ser uma caixa de surpresas e num mundo em vertiginosa aceleração, tudo se resume à espuma dos dias, e vence quem melhor souber ser o mágico que sempre consegue tirar um coelho (ou três) da cartola.

Exige-se seriedade, sensatez e responsabilidade a todos os atores políticos, pois se é justo e expectável que mantenham e defendam a sua ideologia e os dossiers que apresentaram como bandeira, bem como as promessas que constituíram vetores essenciais para cativar os eleitores, há que saber negociar e colocar os interesses dos cidadãos acima de interesses partidários e pessoais.

Não podemos estar condenados a viver num panorama político, refletido na Assembleia Legislativa, feito de contínua luta e ataque, de antagonismos e acusações. Não podemos persistir no erro de considerar que a realidade é dicotómica, que só há os bons e os maus, os certos e os errados. O universo político está cheio de zonas cinzentas, com pontos de contacto e de convergência, que devem servir, com diálogo e sentido de Estado, para agregar vontades em prol da população. Há que saber fazer pontes e chegar a consensos, com credibilidade e ponderação. Tem de haver, como já se tornou comum dizer, adultos na sala!

E temos perante nós uma excelente oportunidade de fazer diferente, fazer mais e melhor. Falo do Orçamento da Região Autónoma da Madeira e do Plano e Programa de Investimentos e Despesas de Desenvolvimento da Administração da Região Autónoma da Madeira, para 2024, cuja discussão se iniciou ontem.

Espero, bem sei que com alguma ingenuidade e muito otimismo, que o foco seja na discussão das políticas públicas, dos programas e projetos de investimentos, e do seu cabal financiamento, em prol de soluções e resultados com impacto positivo na vida dos cidadãos, organismos públicos e empresas, num verdadeiro exercício de cidadania partilhado por todos.

A forma como as verbas públicas são utilizadas não é um assunto que só diga respeito aos 47 deputados da Assembleia Legislativa da Região Autónoma da Madeira, mas sim um tema que a todos nós diz respeito e devíamos estar atentos, para sabermos como serão distribuídas as verbas e se serão capazes de criar as condições para que a economia floresça e a sociedade tenha melhores condições de vida e bem-estar.

Nunca podemos esquecer que as consequências sociais e humanas de qualquer orçamento têm de ser sempre ponderadas e prioritárias. Por isso, registo com agrado as verbas destinadas à Secretaria Regional de Inclusão, Trabalho e Juventude. Sei a diferença que muitos dos apoios fazem no dia a dia das pessoas, e não, não é caridade, não é uma esmola, é suprir necessidades de muitas famílias que, por variadas razões, não conseguem, só com os seus rendimentos, ter o mínimo de dignidade. Acredito convictamente que os apoios sociais têm de ser sempre numa ótica emergencial, pontual e adequada a cada realidade familiar, apostando em criar mecanismos que permitam e fomentem “dar a cana de pesca”. Como disse Mandela: “Vencer a pobreza não é um gesto de caridade. É um ato de justiça. É a proteção de um direito humano fundamental, o direito à dignidade e a uma vida decente. Enquanto a pobreza persistir, não haverá verdadeira liberdade”. A este propósito, refira-se que o tema deste ano do Dia Internacional Nelson Mandela, celebrado, desde 2009, no dia 18 de julho, data do seu nascimento, é: “a luta contra a pobreza e a desigualdade está nas nossas mãos”.

E nas mãos dos nossos representantes na Casa da Democracia está a chave do nosso futuro comum. Por isso, faço votos que o orçamento regional para este ano seja efetivamente sinónimo de responsabilidade, compromisso e estabilidade, que nos permita a todos encarar com confiança os desafios presentes e que abra caminho para um futuro com esperança.

Porque ninguém pode desistir de construir um tempo novo.