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Fact Check Madeira

Foi a primeira vez que um executivo da Câmara do Funchal procurou regularizar as esplanadas da cidade?

Funcionários da autarquia levaram, ontem, a cabo uma acção de fiscalização em alguns arruamentos da cidade do Funchal. 
Funcionários da autarquia levaram, ontem, a cabo uma acção de fiscalização em alguns arruamentos da cidade do Funchal. , Foto DR

A Câmara Municipal do Funchal (CMF) avançou, ontem, com a remoção de equipamento e mobiliário de esplanadas na Zona Velha da Cidade. A acção, que muitos apontam pecar por tardia, originou, no imediato, uma onda de apoios e de elogios, muitos deles plasmados em comentários que se multiplicaram nas redes sociais.

Um desses comentários falava numa “acção inédita” dos serviços camarários neste domínio. Mas será que esta foi mesmo a primeira vez que um executivo funchalense tomou uma medida deste género? É isso que vamos procurar aqui verificar.

Nos últimos anos, as esplanadas de apoio a estabelecimentos comerciais, sobretudo bares e restaurantes, multiplicaram-se pelas ruas da cidade do Funchal. Numa análise mais simplista podemos aponta que essa foi uma resposta ao aumento da procura, sobretudo por parte de turistas, que nunca foram tantos como agora.

Neste contexto, os madeirenses, com maior ou menor expressividade, têm vindo a criticar esta ‘usurpação’ do espaço público por parte dos comerciantes e proprietários das esplanadas, já que, em alguns casos, há uma ocupação quase total do passeio ou zona de passagem, tornando uma verdadeira odisseia conseguir movimentar-se em alguns arruamentos do centro da cidade.

No decurso da pandemia da covid-19 foram concedidas algumas excepções quanto à disposição das esplanadas, sobretudo pelas exigências de distanciamento impostas pelas autoridades de saúde, levando a que a autarquia permitisse o alargamento excepcional do perímetro do espaço público ocupado. Mas, passado o período pandémico, vários estabelecimentos mantiveram esses espaços ocupados, ainda com mais mesas e cadeiras, colocando em causa, muitas vezes, a segurança de pessoas e bens e o socorro em caso de necessidade. 

Definir e implementar uma nova regulamentação para o ruído e a utilização de esplanadas por parte dos comerciantes foi uma das promessas assumidas pela coligação ‘Funchal Sempre à Frente”, liderada por Pedro Calado, que acabou ganhando as eleições autárquicas na capital da Região, em Setembro de 2021.

Pedro Calado fala em "situação insustentável" no âmbito da Assembleia Municipal de 24 de Fevereiro de 2022

Já na presidência da Câmara do Funchal, em diversas ocasiões, o então autarca referiu-se à questão das esplanadas no centro da cidade e ao ruído associado como “uma situação insustentável”, tendo o seu executivo trabalhado desde 2022 para a criação de um novo regulamento que disciplinasse essas matérias, disferindo, no entretanto, algumas críticas ao que dizia ser a “inércia” dos executivos anteriores, com outras cores partidárias. O documento veio a ser aprovado e, agora, teve mais um momento da sua real implementação.

Mas será que esta foi uma acção inédita, tendo a Câmara do Funchal, pela primeira vez, actuado e fiscalizado as irregularidades, como querem fazer crer alguns comentários à notícia que dava conta da recolha de mesas e cadeiras feita, ontem, pelos funcionários camarários, na Zona Velha da cidade?

No primeiro executivo liderado por Paulo Cafôfo, eleito presidente da Câmara do Funchal no quadro da coligação ‘Mudança’, uma medida do género deu muito que falar. No dia 21 de Janeiro de 2014, muito antes do ‘boom’ turístico que hoje conhecemos, uma dezena de funcionários da Câmara, acompanhados de agentes da Polícia de Segurança Pública (PSP) levou a cabo uma acção de fiscalização das esplanadas no Largo do Corpo Santo, na Zona Velha, procedendo à remoção de equipamento e mobiliário que foram ali colocados de forma ilegal.

Noticiava o DIÁRIO, no dia seguinte, que “pelo menos três viaturas de carga camarárias foram mobilizadas para o local, eventualmente para a remoção de mesas, cadeiras ou material colocados sem licença no espaço público. Contudo, acabaram por deixar a zona tal como chegaram, ou seja, sem carga”.

O então vereador com o pelouro desta área, Gil Canha, dava conta de que a autarquia não ia ser fundamentalista. “Há zonas em que nós até estamos a fazer um equilíbrio. As pessoas tinham cadeiras a mais, mas não mandámos retirar todas, vemos as que dá para ficar e circular uma cadeira de rodas, uma ambulância”, referia o autarca.

Disciplinar as esplanadas foi uma das prioridades do executivo da altura, mas a polémica instalou-se, com comerciantes e populares a assumirem posições contrárias, acabando por levar à demissão de Gil Canha, depois de lhe terem sido retirados todos os poderes e Cafôfo ter chamado a si a fiscalização municipal, defendendo uma “Câmara facilitadora”, no que às actividades económicas dizia respeito.

O vereador afastado recusava ter levado a cabo “qualquer acção mais radical”. “As notícias que saem hoje [9 de Maio de 2014] dizem que os comerciantes da Zona Velha estão contra mim, o que é completamente falso. Quem está contra mim são três estabelecimentos da Zona Velha que tinham esplanadas que ocupavam áreas públicas, mas que as fecharam e ainda assim exigiam colocar ainda mais cadeiras nos passeios. Os bares em causa são o ‘Violino’, ‘Muralha’ e ‘Estrela do Mar’”, esclarecia, na altura, Gil Canha, ao DIÁRIO.

Toda esta polémica foi também, agora, recordada por leitores do DIÁRIO. Um deles diz mesmo que “até que enfim que alguém tem coragem para pôr ordem nisto. O Gil Canha quando era vereador do Cafofo também tentou, mas acabou por ser traído!”. Outro refere que “aquilo é sim uma vergonha e o Gil Canha levou uma punhalada nas costas do Cafôfo”; e outro pede para que “não se esqueçam de passar na Rua da Carreira. É uma vergonha. Parabéns pela coragem. O último a tentar fazer isso foi o Gil Canha, mas o Cafôfo tirou-lhe o tapete”.

Pese embora a polémica que a envolveu, o certo é que esta não foi uma acção isolada, tendo sido registadas iniciativas de fiscalização semelhantes nos anos seguintes, ao mesmo tempo que foram levadas a cabo várias acções de sensibilização junto dos comerciantes, por parte da autarquia e da PSP, sobretudo devido ao ruído.

Em 2015, por exemplo, a CMF procedeu à remoção de duas esplanadas, situadas no final da Avenida do Infante por estarem a ocupar indevidamente o espaço público. Nesse mesmo ano, a autarquia implementou novas regras neste domínio, procurando um “equilíbrio entre a dinâmica comercial e a fluidez, segurança e conforto dos transeuntes e moradores”. As esplanadas deviam ser encostadas “à parede com a salvaguarda, imperativa, de um corredor pedonal livre mínimo de 1,50m”.

Mais recentemente, em 2022, a autarquia fez um levantamento das situações de ocupação abusiva da via pública com esplanadas e estruturas de publicidade não autorizadas. A oposição, liderada por Miguel Silva Gouveia, denunciava o que considerava ser “a perpetuação do descontrolo das esplanadas e painéis publicitários por todo o Funchal, em especial na ‘Zona Velha’, situação que tarda em ser resolvida, apesar das desculpas e promessas por parte do executivo PSD”.

Percebe-se, pelo exposto, que, em diferentes momentos, nos últimos anos, foram tomadas medidas, umas mais visíveis do que outras, procurando travar o uso abusivo de esplanadas, chapéus de sol e outro mobiliário urbano nos passeios e espaços públicos. Conclui-se, por isso, ser falsa a ideia de que a acção de fiscalização e remoção de esplanadas levada a cabo, no dia de ontem, pela Câmara Municipal do Funchal, seja algo inédito.  

Alguns comentários à notícia do DIÁRIO sobre a acção de fiscalização e consequente remoção de cadeiras e mesas de algumas esplanadas levada a cabo pela Câmara do Funchal no dia de ontem, na Zona Velha, passam a ideia de que a mesma foi inédita. Será mesmo assim?