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Sonhar como Ronaldo sonhou

Como explicar às novas e futuras gerações 20 anos de Cristiano Ronaldo que apanharam a minha no início da adolescência? Dizendo-lhes que Ronaldo foi o sonho de tantos que se concretizou.

Retiremos o elefante da sala que contamina sempre a discussão: uma espécie de virtudes públicas e defeitos privados com que tantos se entretêm, sobre a personalidade, o feitio, os valores, as opções de vida e até os erros que o Homem terá cometido. Não é a essa dimensão que me dedico. Do que falo é do Desportista que se fez maior do que o seu próprio tempo, do que a sua origem, do que o seu nome.

Foi o desportista que se fez, inequivocamente, o maior madeirense da História moderna - e, mesmo que precoce, fica-lhe bem o nome no Aeroporto da Madeira, onde outros driblam permanentemente ventos cruzados para chegarmos ao destino. Para que todos saibam de onde vem o desportista que é madeirense nas horas más, português nas horas boas - como quase todos acabamos por ser num dado momento da vida; como aconteceu neste Dia da Região em que chorou depois de falhar um penálti.

Cristiano Ronaldo foram as duas palavras que passámos a usar para desbloquear todas as conversas por esse mundo fora. Quando o seu nome surge, os sorrisos abrem-se sempre - mesmo quando nos respondem que Messi é maior, com a matreirice de quem nos procura destronar uma última vez.

Foram as suas camisolas que vi em Marrocos pouco antes do terramoto que deitou quase tudo por terra; foi a sua camisola que vi no vídeo de uma criança desesperada perante o terror que vivia em Gaza; foram as suas camisolas que vi vestidas por milhares de apoiantes da seleção em festa, em Portugal e na Alemanha, de todas as origens e idades.

Entre o primeiro jogo de preparação e o último do Europeu, foi o seu nome que ouvi invocado mais vezes e com maior entusiasmo nos estádios e cidades por onde passei. Foram os seus livres, mesmo que inconsequentes, que vi agitarem bancadas. Foi o seu esforço, determinação e desejo incessantes que alimentaram a esperança coletiva de quem lá estava.

Ronaldo é o maior símbolo da história do futebol de Portugal, este desporto que se fez língua universal da Humanidade, que todos compreendem e tanta coisa influencia, como fenómeno cultural maior que é - por ser nosso, de todos, do povo. A mesma língua que fez Mbappé ajudar a derrotar a extrema-direita em França com meia dúzia de palavras, para que os fascistas voltem a ter medo, como ensinam as camisolas do St. Pauli, em Hamburgo.

Durante 20 anos, Ronaldo deu-nos mais alegrias do que tristezas, mais vitórias do que derrotas, mais festejos do que frustrações. Fez-nos acreditar que era tudo possível, porque fez de si próprio a superação do impossível. Nestes 20 anos, proporcionou-nos momentos dessa esperança infinita que transforma todos os sonhos, individuais e coletivos, em possível. Devemos-lhe isso - e não é coisa pouca.

Tinha 14 anos quando, há 20, Ronaldo foi a marca jovem maior do Europeu que disputámos em casa. Foi com ele que tantos como eu iniciaram a sua juventude independente; foi com ele que alguns construíram agora as últimas memórias, umas boas, outras más, deste seu tempo que superará sempre a bola que rola. Foi há 20 anos que começou? Foi ontem. Foi hoje outra vez. Será para sempre, enquanto contarmos aos próximos as suas histórias - até aquela de como, de baliza escancarada e quando nos preparávamos para festejar mais um golo seu, surpreendeu o mundo inteiro e passou a bola ao próximo. Como quem passa um legado. Como quem transmite a chave do livro dos maiores de sempre aos que estão para vir.

Ronaldo é o maior herói madeirense da História moderna, porque deu significado mundial às cores de uma bandeira que agora se multiplica por todo o lado, dentro e fora dos estádios. Que deu significado à letra do hino que nos une: do vale à montanha e do mar à serra, deste povo humilde, estóico e valente, herói do trabalho, que tem os louros da vitória nas suas mãos calosas como herança. Por esse mundo além, honraremos a sua história: longa vida a Cristiano Ronaldo.