Críticas dos portugueses à Justiça são risco para a democracia
O investigador Pedro Magalhães, um dos autores de um inquérito que aponta vários problemas na justiça portuguesa, considera que a perceção sobre o sistema judiciário pode colocar em causa a democracia plena em Portugal.
Para uma "democracia plena", não bastam eleições livres, o "acesso à Justiça é também visto como um aspeto central", referiu à Lusa o investigador do inquérito feito pelo Instituto de Políticas Públicas e Sociais (IPPS) do Iscte -- Instituto Universitário de Lisboa, hoje tornado público, integrado no relatório "O Estado da Nação e as Políticas Públicas 2024", totalmente vocacionado para o sistema de Justiça.
Para o investigador, as dúvidas quanto à eficácia e justiça do sistema judicial podem "afetar a crença na própria democracia como regime político.
"Em 2012 e em 2021, o European Social Survey mediu as avaliações que os europeus fazem de vários aspetos do funcionamento das suas democracias" e "a igualdade perante a lei e a justiça era um dos aspetos mais valorizados".
Portugal, no entanto, era um dos países onde havia "um maior desfasamento entre a importância dada a esse aspeto e avaliação da sua concretização", recordou o investigador.
Então, a desigualdade perante a lei "era vista como um dos maiores défices democráticos no nosso país", algo que se torna evidente com os resultados deste inquérito.
De acordo com o estudo, "74% dos inquiridos consideram que a Justiça funciona 'Mal' ou 'Muito Mal'", uma avaliação que é a mais negativa feitas pelos inquiridos sobre serviços ou estruturas públicas, abaixo do Parlamento, Governo ou Sistema Nacional de Saúde.
Numa avaliação mais detalhada ao sistema de Justiça, as considerações "menos positivas concentram-se no desempenho geral do sistema, incluindo rapidez, eficácia e eficiência".
O estudo indica que os portugueses consideram que os políticos não têm resposta para os problemas, uma questão de Pedro Magalhães diz compreender.
"Acho compreensível que, entre o público em geral, haja a perceção maioritária de que os partidos políticos não têm resposta para os problemas da Justiça", porque, "noutros domínios, como a saúde, a educação, ou as pensões, os assuntos são também muito complexos, mas as possíveis soluções arrumam-se de uma forma mais ou menos reconhecível para as pessoas do ponto de vista ideológico, em termos de 'esquerda' e 'direita', por exemplo", salientou.
No entanto, na justiça "não é evidente" o que são "soluções de esquerda" ou "soluções de direita", disse, recordando que, em muitos casos, os "mesmos partidos tendem a defender propostas para esta área um pouco diferentes consoante estejam no governo ou na oposição" e os efeitos dos "pactos para a Justiça" não foram "evidentes para a generalidade da população".
Apesar disso, Pedro Magalhães recusa fatalismos e defende que o país deve olhar "para os casos em que as avaliações do funcionamento da Justiça e a confiança nela melhoraram significativamente nas últimas duas décadas", referindo-se a países como a Holanda, Eslováquia ou Lituânia.
"Tudo o que ajude a diminuir a morosidade do sistema tem efeitos claros nas opiniões dos cidadãos. Mas não estou a dizer que seja fácil mudar as perceções, de todo, apenas a dizer que não parece ser impossível", referiu.
Apesar das críticas que se podem extrair no inquérito sobre o sistema mediático, Pedro Magalhães considera que a comunicação social não é a fonte dos problemas do sistema judiciário.
"No que diz respeito ao desempenho do sistema, a sua rapidez, a sua eficácia e a sua eficiência, as pessoas que dizem ter tido um contacto direto com o sistema fazem uma avaliação mais negativa do que aqueles que não o tiveram" e cujas opiniões foram formadas apenas na base de informação indireta vinda dos media, explicou.
O inquérito envolveu 1.207 inquiridos, com uma margem de erro de 2,8%.