No País existem mais de 35 mil autarcas, em Assembleias e Câmaras Municipais e em Assembleias de Freguesia. Na Madeira são 834
A perda de mandatos autárquicos está longe de ser algo inédito na Madeira, mas voltou à actualidade, a propósito de um parecer da Associação Nacional de Assembleias Municipais, que entende que Carlos Silva, eleito no Porto Santo deve de perder o mandato.
A jurista, que assina o documento, faz uma analogia entre o Movimento de Cidadãos ‘Uma Nova Esperança’ – UNE, pelo qual se candidatou e foi eleito Carlos Silva, e um partido político.
Como a lei, em linguagem simples, determina que se um eleito se tornar militante de um partido diferente daquele pelo qual se candidatou, perde o mandato, a parecer foi de que Carlos Silva deve de perder o mandato na Assembleia Municipal do Porto Santo.
Tudo isto porque, posteriormente a ser membro na Assembleia Municipal, Carlos Silva se candidatou pelo JPP à Assembleia Legislativa da Madeira, onde exerce o cargo de deputado, em substituição de Filipe Sousa, que se mantém na Câmara Municipal de Santa Cruz.
Antes de explicarmos em que condições um autarca pode perder o mandato, conheça uma perspectiva diferente da Associação de Assembleias Municipais.
Por aparentar não reunir consenso a equiparação de um movimento de cidadãos, que apresenta uma candidatura autárquica, a um partido, pedimos a Ricardo Vieira, especializado em Direito Administrativo, que nos desse a sua perspectiva.
O advogado ressalva não ter estudado aprofundadamente o tema, mas reconhece que a equiparação entre um movimento de cidadãos e um partido, por analogia, lhe suscita dúvidas, por duas razões maiores.
Uma delas é o facto de um movimento de cidadãos ter natureza e características diferentes das dos partidos políticos. São esporádicos, constituídos para concorrer a umas eleições concretas e não têm uma estrutura semelhante à partidária. Por exemplo, se os mesmos cidadãos pretenderem voltar a concorrer, devem de constituir novamente o movimento, ainda que com designação idêntica.
A outra razão é de princípios do direito. A aplicação das leis, por analogia em matérias restritivas de direitos são impedidas. Essas restrições têm de ser expressas de forma clara.
Ora, isso não acontece relativamente aos elementos que integram candidaturas por movimentos de cidadãos.
Leitura diferente merece quem se candidata numa coligação, indicado por um partido. Nesse caso, fica a representar a coligação/partido por que foi eleito. Se se inscrever noutro partido, deverá passar a defender/representar o último também, criando um caso de, aqui usando linguagem não jurídica, esquizofrenia política.
Na perspectiva aqui deixada, é muito possível que Carlos Silva nem se venha a sujeitar a um processo de perda de mandato autárquico. Certo é que, nos casos em que isso acontece, passa sempre pela promoção da acção pelo Ministério Público e pela decisão dos Tribunais Administrativos e, em último recurso, do Tribunal Constitucional.
A lei (Lei n.º 27/96 de 1 de Agosto - Regime jurídico da tutela administrativa) diz que “as ações para declaração de perda de mandato ou de dissolução de órgãos autárquicos ou entidades equiparadas têm caráter urgente e seguem os termos do processo do contencioso eleitoral, previstos no Código de Processo nos Tribunais Administrativos”.
Casos de perda de mandato
A perda de mandato está prevista na lei e pode acontecer por várias razões. Para as sintetizar, recorremos à ajuda da Fundação Francisco Manuel dos Santos.
Explica a instituição que a prática de crimes, a omissão de deveres ou a realização de outras ilegalidades no exercício de cargos públicos podem resultar na perda do mandato. Esta consequência ocorre imediatamente quando um membro de um órgão autárquico, como um presidente de câmara municipal ou vereador, é condenado definitivamente (trânsito em julgado) por um crime cometido durante o exercício das suas funções, ou seja, quando não há mais possibilidade de recursos judiciais.
Além disso, os autarcas, na qualidade de titulares de cargos políticos, podem perder o mandato caso não apresentem sua declaração pública de rendimentos, património, interesses, incompatibilidades e impedimentos.
A prática de diversas ilegalidades na gestão das autarquias locais, seja por acção ou omissão, também pode levar à perda do mandato dos membros dos órgãos autárquicos e até mesmo à dissolução desses órgãos. No entanto, é entendido que a perda de mandato só pode ser decretada nas situações expressamente indicadas na lei e quando houver culpa grave, não apenas negligência no cumprimento de uma obrigação legal. Em casos envolvendo indivíduos democraticamente eleitos, é necessário que haja proporcionalidade entre a falta cometida e a sanção aplicada.
Casos na Madeira
Na Madeira já houve vários casos de perda de mandato autárquico.
Aqui referimos apenas alguns vereadores, que perderam mandatos, aqueles que obtiveram maior impacto públicos ou que tiveram como protagonistas pessoas que ainda se encontram na política activa. Não explorámos as perdas nos órgãos de freguesia.
2007 foi o ano mais prolífero em perdas de mandato autárquicos. O PS foi o partido com mais contributos.
Naquele ano, quatro perderam o mandato por não terem entregado a declaração de rendimentos, do património e cargos sociais, ao Tribunal Constitucional: Carlos Pereira (PS – Funchal), Luís Vilhena (PS – Funchal); Emanuel Câmara (PS - Porto Moniz); Bruno Coelho (PSD - Câmara de Lobos.
Na mesma altura, confrontaram-se com processos de perda de mandato Artur Andrade (CDU - Funchal), Rui Caetano (PS – Ribeira Brava) e Arlindo Freitas (PS – Santa Cruz), mas acabaram absolvidos e mantiveram os mandatos.
Também em 2007, Carlos Jardim Gouveia (CDS – Calheta) perdeu o mandato, mas por uma razão diferente: excesso de faltas. O vereador terá ido para a Venezuela.
No País existem mais de 35 mil autarcas, em Assembleias e Câmaras Municipais e em Assembleias de Freguesia. Na Madeira são 834.
Como se verifica, o número de perdas de mandatos é irrisório, tendo em conta o universo em causa.