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Crónicas

O bom, o mau e o velho

A unanimidade é uma bênção reservada aos que nunca tiveram de tomar uma decisão

A 3 meses do final do mandato de 6 anos, a Procuradora-Geral da República dignou-se a dar a primeira entrevista. Em horário nobre, Lucília Gago lamentou a detenção, por 22 dias, de três cidadãos, quando a lei apenas permite que essa privação da liberdade dure por 48 horas. É pena que a Procuradora-Geral tenha demorado 5 meses a admitir o que toda a gente concluiu no dia seguinte à libertação de Pedro Calado, Avelino Farinha e Custódio Correia. Agora, a Lucília Gago, só lhe falta reconhecer a responsabilidade do Ministério Público na prisão ilegal e injustificada de cidadãos, neste e noutros processos com gente menos sonante.

O bom: Miguel Albuquerque

Não há figuras unânimes em política. Se as houvesse, Miguel Albuquerque não seria, certamente, uma delas. Ainda bem. A unanimidade é uma bênção reservada aos que nunca tiveram de tomar uma decisão. Digo, a propósito de Albuquerque, o que disse sobre António Costa no rescaldo de uma inesperada maioria absoluta em Janeiro de 2022 - não há análise política que desvirtue o óbvio. As notícias sobre a morte política de Miguel Albuquerque foram manifestamente exageradas. Primeiro, venceu as eleições internas no PSD, depois conquistou um número de deputados que poucos anteviam, de seguida teve a habilidade de viabilizar um programa de governo e, por fim, prepara-se para aprovar um orçamento regional. Estaria a mentir, quem previsse que, seis meses depois de uma operação judicial que abalou os alicerces da política madeirense, Albuquerque estaria prestes a iniciar um novo ciclo governativo. Terá hesitado pelo caminho, talvez até tomado opções erradas, muitas vezes precipitadas, mas resistiu a um cenário em que muitos teriam vacilado. Essa tenacidade, própria de quem há muito percebeu que não decidir é pior do que decidir mal, é matéria rara nos dias que correm. Hoje, a política transformou-se em tática e os políticos tornaram-se taticamente previsíveis e enfadonhos. Pense-se o que se pensar, Albuquerque faz política fora do colete de forças do politicamente correto. Nem sempre acerta, por vezes exagera, mas continua a ser, hoje, a grande figura política da Região. É certo que o seu governo não terá a vida facilitada, com a possibilidade de maiorias imprevisíveis na Assembleia e a sombra constante de uma moção de censura. Ainda assim, tenho dúvidas sobre quem terá maior receio de nova ida às urnas - Albuquerque ou os partidos que o seguram?

O mau: Fernando Medina

O objetivo de Medina era louvável. Retirar Portugal do lote de países europeus com a maior dívida pública. Dito assim, o propósito parece inquestionável, talvez até patriótico. Ainda por cima, vindo do partido que, poucos anos antes e pela terceira vez, tinha levado a nação à bancarrota. O problema é que a medida, que deveria ser estrutural, foi pensada como parte de um brilharete orçamental que apresentaria o PS e Fernando Medina como obreiros de um milagre de redução da dívida abaixo dos 100% do PIB. Valeu quase tudo, à conta dessa obsessão. A 29 de Dezembro de 2023, último dia útil do ano, o ministro das Finanças exigiu ao presidente da Águas de Portugal, a empresa pública que gere o fornecimento de água no país, que transferisse, de forma extraordinária, 100 milhões de euros para os cofres do Estado para financiar a queda da dívida pública. Não satisfeito com este pagamento, Medina ainda rapou 10 milhões à Casa da Moeda e outros 15 milhões de euros à NAV Portugal. Ainda assim, perante a astronómica dívida pública de 263 mil milhões de euros, não havia empresas públicas suficientes para salvar Medina. Até que alguém, nas catacumbas do Ministério das Finanças, se lembrou do Fundo de Estabilização Financeira da Segurança Social e da Caixa Geral de Aposentações. Então, o dinheiro das pensões futuras dos portugueses foi utilizado para comprar dívida pública nacional. Ao todo, o Estado adquiriu 7,7 mil milhões de euros da sua própria dívida. No final, Medina conseguiu o que queria e a dívida desceu a 99,1% do PIB. Está provado que, no PS, a criatividade na gestão da dívida só é superada pela capacidade de empurrar o problema com a barriga.

O velho: Joe Biden

A idade é só um número. Mas poderá alguém ser demasiado velho para ocupar um cargo político? E se esse cargo for a liderança dos Estados Unidos da América? Aos 81 anos, Joe Biden garante-nos que não. Se ao peso desse número, juntarmos os 86 anos que Biden terá no final do mandato a que se candidata, as dúvidas sobre a sua capacidade adensam-se. Não se pense, no entanto, que Biden é um velho perdido num oásis de jovens políticos. Basta lembrar que Donald Trump é apenas três anos mais novo ou que Nancy Pelosi, até ao ano passado presidente da Câmara dos Representantes, festejou 84 anos em Março. No circo em que se tornou a política americana, a idade, mais do que um posto, tornou-se numa inevitabilidade perigosa. Numas eleições cujo impacto ultrapassa as fronteiras americanas, o maior perigo que corremos é que se discuta mais a idade de Biden do que a imoralidade de Trump. Talvez por isso, a indecisão tenha tomado conta do Partido Democrata, perdidos na escolha impossível entre o abandono de um presidente em funções ou a aposta num líder que, ainda ontem, confundiu, para esgar da plateia, Putin com Zelensky. A quatro meses das eleições presidenciais de 2024, talvez a pergunta não seja se Biden é demasiado velho, mas se a política americana não estará demasiado gasta.