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Fact Check Madeira

A ‘Fábrica das Algas’ do Porto Santo recebeu fundos europeus?

A Unidade de Produção de Biomassa do Porto Santo tem conhecido um processo conturbado, desde o início da sua implementação, em 2008.
A Unidade de Produção de Biomassa do Porto Santo tem conhecido um processo conturbado, desde o início da sua implementação, em 2008., Foto Arquivo/DR

A Unidade de Produção de Biomassa do Porto Santo (UPBPS) voltou a ser ontem chamada para a ordem do dia.

Na sessão plenária da Assembleia Legislativa da Madeira de quarta-feira, 10 de Julho, foram vários os deputados da oposição que criticaram o destino dado aos fundos comunitários que a Madeira recebeu ao longo dos anos da União Europeia.

Rafael Nunes, do JPP foi o primeiro a incluir a também conhecida por ‘Fábrica das Algas’, na Ilha Dourada, como uma das obras a beneficiar de dinheiros europeus. Mas não foi o único, já que Rui Caetano, do PS, e Miguel Castro, do Chega, alinham pelo mesmo diapasão.

Mas será que a Unidade de Produção de Biomassa do Porto Santo recebeu mesmo fundos comunitários? É isso que vamos tentar aqui perceber.

Ontem, o parlamento madeirense reuniu-se para mais um dia de trabalhos. Da agenda da reunião plenária n.º10 desta XIV Legislatura constava a apreciação do relatório anual ‘A Região Autónoma da Madeira na União Europeia – 2023’. Esse foi, pois, os pretextos para que tanto o Governo Regional e a bancada do PSD/Madeira, como os deputados da oposição procurassem apontar, da parte dos primeiros, as mais-valias trazidas pelos dinheiros europeus, e da parte dos segundos o fim menos acertado dado a essas verbas.

Ao longo do debate foram vários os argumentos apresentados por cada bancada para sustentar as premissas apontadas. Da parte da oposição, o foco centrou-se, sobretudo, no dito mau aproveitamento dos fundos europeus e na sua aplicação em projectos e infra-estruturas que, supostamente, se vieram a tornar em sorvedouros de dinheiros e, actualmente, ou estão inutilizadas ou não servem o propósito para o qual foram traçados.

Todos os madeirenses conhecem o histórico de abusos na utilização de dinheiros comunitários. Eu falo de milhões, milhões de euros da Europa que serviram para alimentar clientelas restritas, para inaugurações para abrilhantar eleições, mas que estão actualmente completamente ao abandono, não têm qualquer tipo de utilidade. Eu falo da Marina do Lugar de Baixo, que continua sem solução à vista; falo do heliporto do Porto Moniz; falo da ‘Fábrica das Moscas’, da Camacha; falo dos milhões de euros injectados na ‘Fábrica das Algas’, no Porto Santo, que continua a não dar em nada. Rafael Nunes, deputado do JPP

Um dos casos apontados foi a Unidade de Produção de Biomassa do Porto Santo, a par, por exemplo, da ‘Fábrica das Moscas’, na Camacha; do heliporto do Porto Moniz; ou da muito contestada Marina do Lugar de Baixo, entre outros. Coube ao JPP, através de Rafael Nunes, abrir o rol, que foi assinado e completado por Rui Caetano, do PS, e por Miguel Castro, do Chega. Todos eles apontaram o dedo à ‘Fábrica das Algas’.

O projecto teve início em 2008 e foi implementado pela EEM Biotecnologia, S.A., uma empresa de capitais exclusivamente públicos detidos pela Empresa de Electricidade da Madeira (EEM), que derivou da criação, em Outubro de 2009, da sociedade EEM & BFS, S.A. (EEM & BFS).

Neste contexto, destacam-se as parcerias com entidades empresariais espanholas (nomeadamente a BFS - Bio Fuel Systems, S.L.) e, mais recentemente, com a subsidiária portuguesa de uma delas (a Buggypower - Gestão e Produção de Biomassa, Lda.).

Implementação prolongou-se por 10 anos

Desde o início, o processo esteve envolto em alguma polémica, pese embora esta Unidade tenha sido apresentada como uma mais-valia para viabilizar a sustentabilidade e auto-suficiência energética do Porto Santo e para a prossecução da marca ‘Ilha Verde’, como activo turístico.  

A ideia passava por produzir biocombustível, através do cultivo de microalgas, utilizando o dióxido de carbono (CO2), emitido pela Central Térmica do Porto Santo (propriedade da EEM), servindo o biopetróleo resultante para alimentar os grupos produtores de energia eléctrica existentes na referida central, em substituição do combustível fóssil (fuelóleo).

Na sua génese, o investimento estava estimado em 30,75 milhões de euros, valor plasmado no contrato inicial com os espanhóis, a cujo montante acresciam, entre outros, os encargos com os direitos de exploração das patentes industriais, avaliadas em 20,0 milhões de euros, que deviam ser pagos ao longo do período de exploração, ao parceiro tecnológico (BFS).

A implementação do projecto prolongou-se até final de 2018 e a exploração comercial iniciou-se em 2019, já depois de a EEM ter decidido, entre 2014 e 2015, em alternativa a abandonar o investimento, redireccionar o projecto, maioritariamente, para a produção de matéria-prima para produtos de maior valor acrescentado, nomeadamente para a indústria alimentar e nutracêutica.

Pandemia da covid-19 agravou o desempenho

Mas a produção destes componentes acabaria, também, por ser afectada pela pandemia da covid-19.

Numa auditoria de resultados à EEM-Biotecnologia. S.A., referente ao desempenho do ano 2021, a Secção Regional da Madeira do Tribunal de Contas debruçou-se sobre a pertinência e a análise custo-benefício do projecto de produção de biomassa/biopetróleo a partir do cultivo de algas marinhas, e notou, no respectivo relatório final que “em 2020, com a calibração da produção ainda em curso, o surto pandémico covid-19 afectou substancialmente a laboração”, agravada que foi por uma contaminação das culturas em produção.

Foi necessária uma descontaminação exaustiva dos equipamentos e instalações, que se prolongou até meados de 2021.

Empresa de Electricidade investiu 54,6 milhões de euros em negócio de algas que não dominava

Tribunal de Contas faz ultimato à EEM e ao Governo Regional, que têm até 30 de Julho para "defender o investimento realizado e acautelar o interesse público financeiro subjacente, bem como estancar o prejuízo financeiro"

Carolina Rodrigues , 28 Fevereiro 2023 - 12:50

A apreciação do Tribunal de Contas, com data de Fevereiro do ano passado, foca-se no desempenho do ano 2021 e nota que, até ao final desse período, “o investimento em capital fixo totalizou 54,6 milhões de euros (valor que inclui os direitos de uso das patentes, reclassificadas com activo fixo tangível em 2019), reconhecido, nos ativos fixos tangíveis, pelo seu valor líquido de depreciações, no montante de 45,5 milhões de euros”.

No mesmo documento é apontado que as verbas investidas são provenientes dos capitais da ‘empresa-mãe’, a EEM, sendo apresentados, inclusive, os montantes dispendidos em cada momento e a finalidade dos mesmos.

Em 2010, foi, de facto, apresentada uma candidatura do projecto a fundos europeus pela então sociedade EEM & BFS, no âmbito do programa INTERVIR+ (FEDER - Fundo Europeu de Desenvolvimento Regional), que obteve aprovação preliminar em Setembro de 2011, tendo sido atribuída uma comparticipação de 12 milhões de euros, num investimento elegível de 38 milhões de euros, mas esse apoio nunca chegou a ser atribuído, já que não foram cumpridos alguns requisitos condicionantes.

A candidatura só seria ‘fechada’ após apresentação, entre outros elementos, do comprovativo de produção de biocombustível, da demonstração do nível de produção atingido e de um estudo de impacto ambiental. Só pelos baixos níveis de produção alcançados já esses apoios ficavam inviabilizados.

Meios investidos foram “gerados pelo Grupo EEM”

Questionada sobre a existência ou não de apoios comunitários na implementação do projecto da Unidade de Produção de Biomassa do Porto Santo, a Secretaria Regional de Equipamentos e Infraestruturas, que tutela a Empresa de Electricidade da Madeira garante que “todo o investimento na UPBPS foi efetuado com meios libertos gerados pelo Grupo EEM, não havendo recurso a qualquer financiamento bancário ou subsídios da União Europeia”.

A mesma fonte confirma a submissão da aludida candidatura a fundos comunitários no âmbito do FEDER, bem como a “eventual comparticipação” no referido valor de 12 milhões de euros.

Mas, “o Conselho de Administração de então considerou que, tratando-se de um investimento de Investigação e Desenvolvimento, poderia, pelas incertezas inerentes a este tipo de projectos, não atingir, na íntegra, as metas apresentadas na candidatura, havendo assim o risco de devolução de fundos à União Europeia, o que poderia comprometer outros projectos candidatados a Fundos Europeus pelo Grupo EEM e levar à perda de apoios fundamentais à expansão do seu ‘core business’ colocando em causa as metas de desenvolvimento sustentado do sector eléctrico da RAM”, acrescenta a tutela.

Quanto ao montante global, a Secretaria de Pedro Fino refere que “o valor total de investimento ascende a cerca de 54 milhões de euros”, sendo que a quase totalidade do mesmo (cerca de 53 milhões de euros) “foi realizado até 2019, o que corresponde a uma média anual de cerca de 4,4 milhões de euros desde a sua constituição em 2008”.

Futuro passa por 'despachar' a fábrica 

Nos últimos anos, a EEM assumiu a exploração directa da fábrica, contando, para o efeito, com a assessoria técnica de uma empresa portuguesa que desenvolve a sua actividade nesta área de mercado.

Neste momento, o objectivo da empresa passa por "optimizar o funcionamento", mas "com baixo investimento", estando em vista a produção de novas espécies de algas que sejam, sobretudo, "mais rentáveis". 

"Com base no Plano de Desenvolvimento Estratégico, o foco actual da UPBPS foi a normalização da situação da unidade, com a implementação de um plano de acção para optimizar o funcionamento da tecnologia existente e na introdução de melhorias cruciais, mas de baixo investimento, incluindo o reforço indispensável da equipa de recursos humanos afecta ao acompanhamento dos cultivos e o redireccionamento da produção para novas espécies de algas, mais rentáveis, adaptando os procedimentos de produção e especificações de produto final", refere a tutela.

Já na resposta ao Tribunal de Contas, a EEM reforçou a prioridade em manter os postos de trabalho, algo que voltou a ser, agora, reforçado ao DIÁRIO pelo gabinete de Pedro Fino, notando que a adopção da nova estratégia "teve como objectivo principal manter a fábrica em funcionamento, para evitar a deterioração dos equipamentos e proteger os postos de trabalho, por forma a torná-la apetecível para 'players' desta indústria, permitindo que a EEM saia desta área de actividade, que não faz parte do seu 'core business'". 

A eléctrica madeirense espera que, em breve, "seja possível, com uma dinâmica mais produtiva e comercial atrair investidores vocacionados para a Economia do Mar, valorizando o activo que a fábrica de microalgas constitui".

Nesta sequência, a Secretaria Regional de Equipamentos e Infraestruturas sustenta que "a EEM já submeteu ao Governo Regional as peças jurídicas que permitem lançar um procedimento concursal internacional com vista à concessão da exploração da fábrica e alienação da participação da EEM no capital social da EEM Biotecnologia S.A.".

Ressalve-se que nesta análise não esteve em causa a pertinência ou a viabilidade dos investimentos feitos pela EEM com a 'fábrica das algas', nem a gestão dos dinheiros públicos feita pelo Governo Regional, mas somente a existência ou não de verbas comunitárias envolvidas neste projecto.

Perante os argumentos apresentados, podemos concluir que a ideia que vários deputados da oposição veicularam na reunião plenária de ontem de que a Unidade de Produção de Biomassa do Porto Santo teria recebido verbas provenientes da União Europeia é falsa. 

Vários deputados da oposição apontaram, ontem, no parlamento madeirense que a Unidade de Produção de Biomassa do Porto Santo, também conhecida por ‘Fábrica das Algas’, beneficiou de dinheiros vindos da União Europeia. Será verdade?