“Espertalhices”
1. Disco: Beth Gibbons, vocalista dos grandes Portishead, volta a encantar-nos com o seu mais recente álbum solo, “Lives Outgrown”. Este disco é uma viagem introspectiva e emocional, onde Gibbons explora os seus temas de sempre com a sensibilidade que a caracteriza.
“Lives Outgrown” é uma produção minimalista, mas meticulosamente trabalhada, que permite que a voz distinta de Gibbons brilhe. A fusão de elementos de trip-hop, folk e experimental cria uma sonoridade única, ao mesmo tempo, nostálgica e inovadora. A produção é limpa, com arranjos que variam entre o etéreo e o intimista, proporcionando uma experiência auditiva que é ao mesmo tempo imersiva e evocativa.
2. Livro: “Pátrias”, de Timothy Garton Ash, é uma obra de grande fôlego, que explora profundamente a história recente da Europa. Estamos perante um observador perspicaz que perambulou e assistiu a muito do que se passou na história recente do continente. Estamos perante uma viagem desde a devastação da Segunda Guerra Mundial, passando pela Guerra Fria, até aos triunfos e desafios da União Europeia e do Brexit. A narrativa entrelaça experiências pessoais vívidas e interacções com figuras influentes, como Margaret Thatcher, Tony Blair, o Papa João Paulo II e até Vladimir Putin, pintando um retrato rico da evolução política e social europeias.
3. O espertalhão da política é uma figura magistral, um verdadeiro artista, ao modo de Herman, na arte de enganar. É como o peru que enche o peito, acreditando piamente que todos à sua volta estão hipnotizados pela grandiosidade da sua cauda aberta e assoberbada. Quem ousaria contrariar tamanha magnificência? Afinal, com o espertalhão vale tudo: mentir com a mais cândida das faces, distorcer a realidade até que esta se torne irreconhecível, e fabricar notícias como um padeiro amassa pão. A verdade é que ele é um verdadeiro alquimista do engano.
Recorrer ao anonimato é outra das suas especialidades. Quem precisa de se identificar, quando pode atirar pedras escondido atrás de um pseudónimo? E claro, menosprezar os adversários é uma prática diária, quase uma oração matinal. Cada oponente não é apenas um rival político, mas um ser inferior, incapaz de compreender a genialidade do espertalhão.
É o suprassumo dos umbiguistas, o apogeu da egolatria. Faz parte de uma fraternidade deslavada de queixinhas e calimeros, sempre prontos a vitimizar-se enquanto os criticam. As suas ideias são tão brilhantes que cegam qualquer um que ouse olhar directamente para elas. Ninguém pensa como o espertalhão, e como poderiam? Ele é um génio incompreendido, um visionário solitário no deserto do que considera ser a mediocridade política dos que com ele discordam.
Na sua essência, o espertalhão é um populista encapotado, um mestre do disfarce que sabe vestir a capa que mais lhe convém. Não é melhor que ninguém, mas consegue ser pior que muitos, o que já é um feito notável. Não aguenta a discordância, não suporta a crítica, que para ele é como uma agulha furando o seu ego inflamado. É um vaidoso carregado da empáfia dos inseguros. Vê a política como um vale-tudo, um jogo onde os fins justificam os meios, desde que os meios lhe tragam poder e visibilidade.
Estuda e monta o seu discurso apoiado nos piores exemplos, bebe avidamente das fontes da desonestidade e da manipulação. Para o espertalhão, a política não é a arte de governar, mas sim a arte de iludir, de transformar a mentira numa verdade conveniente. É um maestro da trapaça, um ilusionista da realidade, que, com um sorriso cínico, continua a enganar aqueles que persistem em não ver através do seu véu de engodo.
O espertalhão adora olhar-se ao espelho, que acaricia suavemente, perguntando “espelho, espelho meu, existe alguém mais esperto do que eu?” Uma figura que, apesar de todas as suas façanhas e artimanhas, nunca deixará de ser aquilo que sempre foi: um charlatão inseguro, cuja única e verdadeira habilidade é a de se fazer passar por aquilo que nunca será.
A história do espertalhão é como a do monarca vaidoso que acreditava desfilar com um traje magnífico, criado pelos mais hábeis tecelões, enquanto, na verdade, andava nu. Cercado pelos seus aduladores, desfila na passarela da política, convencido da sua intocável majestade. Os seus cortesãos, temerosos ou interesseiros, aplaudem e exaltam a sua inexistente sabedoria, contribuindo para a ilusão colectiva. Mas, eventualmente, surge uma voz de clareza — tal como a da criança na fábula — que ousa expor a verdade. E nessa revelação, o espertalhão é visto na sua essência nua e crua: um espetáculo de vaidade desprovido de substância, uma figura patética que, ao invés de ser aclamada, deveria ser motivo de risos e pena.
O espertalhão vai, sempre, nu.
4. Em Portugal, votou-se ontem de modo diferente. Os cadernos eleitorais, volumosos e impressos em papel, estavam agora desmaterializados, integrados numa plataforma digital centralizada. Esta inovação permitiu que um eleitor, independentemente do seu local de residência, pudesse exercer o seu direito em qualquer mesa de voto do país, segundo a sua conveniência. Esta medida foi introduzida com o intuito de facilitar o acesso ao processo eleitoral, promover uma maior participação cívica e reduzir as taxas de abstenção.
A adopção desta solução, tecnologicamente avançada, levantou, no entanto, algumas questões. Por um lado, muitos aplaudiram a modernização do sistema eleitoral, reconhecendo-lhe vantagens como a agilidade, a segurança e a eficiência. Por outro lado, houve quem expressasse preocupações relativas à segurança dos dados, ao risco de ciberataques e à possível exclusão de eleitores menos familiarizados com as novas tecnologias.
Em contraste com isto, na Região, há duas semanas, os eleitores não tiveram a possibilidade de votar antecipadamente e em mobilidade nas eleições regionais. Esta decisão foi alvo de críticas por parte de diversos sectores da sociedade madeirense, que viram nesta restrição um retrocesso democrático e uma limitação ao exercício pleno da cidadania. Numa era em que a mobilidade e a flexibilidade são cada vez mais necessárias, a impossibilidade de votar antecipadamente permitiria a muitos cidadãos exercerem o seu direito de voto, especialmente aqueles com compromissos profissionais ou pessoais que os impedissem de se deslocarem às mesas de voto no dia das eleições. À cabeça os estudantes.
A ausência de voto antecipado e em mobilidade nas nossas eleições, destaca a disparidade do que se passa nas outras eleições e a região autónoma, em termos de acesso e participação eleitoral. Esta diferença levanta questões sobre a equidade e a igualdade de oportunidades para todos os eleitores portugueses. As críticas a esta situação sublinham a necessidade de uma abordagem mais inclusiva e adaptada às realidades locais, que permita a todos os cidadãos, independentemente da sua localização, participar plenamente no processo democrático.
Enquanto o país avançava em direção a um futuro mais digital e acessível, a Madeira enfrenta resistências à mudança.
É fundamental que esta incapacidade de votar antecipadamente e em mobilidade seja rapidamente resolvida, permitindo que todos os madeirenses participem nas suas eleições do mesmo modo que podem fazê-lo noutros processos eleitorais.
5. Continua tudo igual: em dia de eleições é ver os apaniguados do PSD a rondar as secções de voto. Uns tantos, mais excitados, vestidos de laranja.
Secretários, directores regionais, deputados, presidentes e membros de Juntas, o tradicional na política regional tão em uso numa qualquer República das Bananas. É um cenário que se repete, como se fosse um ritual infalível, onde os mesmos rostos aparecem, ano após ano, com a mesma teatralidade de sempre.
Um “déjà vu”, onde cada personagem desempenha o seu papel de forma previsível. O desfile de influências é acompanhado por um ar de superioridade, como se a presença fosse imprescindível para o bom funcionamento do processo democrático. Para qualquer observador mais atento, fica claro que esta exibição pública é mais sobre manter aparências e demonstrar poder do que realmente sobre um compromisso com a democracia.
Os eleitores, por outro lado, assistem a esta encenação com uma mistura de indiferença, pasmo e cepticismo. Muitos já se acostumaram a este teatro político e votam por inércia, outros aproveitam para expressar as suas frustrações através do voto e alguns agradecem interiormente o lhes recordarem onde votar.
E assim ficam as secções de voto transformadas num palco para este espetáculo trapalhão. Um retrato quase cínico de um sistema que parece funcionar em piloto automático, onde a verdadeira mudança está sempre fora de alcance, e o forrobodó dos bimbos continua a girar, inabalável e imutável, como um velho carrossel de feira.
No horizonte nada de novo.