A caixinha das memórias
As saudades são o reflexo dos momentos perfeitos quando se transformam em memórias. Muitas vezes só nos apercebemos da qualidade desses instantes depois de os vermos em perspetiva, de serem passíveis de comparação com muitos outros ou regra geral, quando sentimos falta deles. E é efetivamente normal sentirmos falta do que já passou, duma determinado época ou idade, como é natural sentirmos falta de pessoas que já passaram ou não voltam mais. A nossa capacidade para processar cada sensação ou sentimento no tempo certo nem sempre é possível. Umas vezes porque precisamos de errar para aprender, outras porque mudamos a perceção da vida e porque damos valor a coisas diferentes por alturas também distintas. É por isso que mexer na caixinha de memórias, que cada um de nós tem guardada na nossa “nuvem”, representa mexer com as nossas próprias sensações e viajar através dela como se de uma máquina do tempo se tratasse, implica estarmos preparados para uma complexidade emocional elevada.
Esta semana, fui jantar com um grupo de amigos que trago há 20 anos. Num tempo em que todos juntos tínhamos uma força inabalável. Fazíamos festas e divertíamo-nos muito, acima de tudo porque na altura achávamos que podíamos tudo e de facto podíamos. Muito provavelmente quem tenha mais de 35 anos e tenha saído à noite em Lisboa ou no Algarve, passou por algum dos nossos espaços ou das nossas organizações. Depois cada um seguiu o seu caminho, em áreas diferentes e geografias longínquas. Contactámo-nos muito pouco durante diversos anos, não sei se foi por ter sido tão intenso ou se porque a vida é mesmo assim e nos leva para novas amizades ou por caminhos diferenciados. Os estilos de vida mudam-se e por vezes as companhias também, sem que haja algum motivo negativo para tal acontecer. Depois com o passar dos anos é difícil arranjar o mesmo ritmo e compatibilidade de agendas e a coisa vai se arrastando sem que se combine nada.
Voltando ao jantar, era fácil de sentirmos que todos estávamos satisfeitos por estar ali. Não regressámos muito ao passado, foi mais até um regresso ao futuro, numa noite muito bem passada, numa esplanada dos Santos Populares de Lisboa onde tudo é simples, prático e sem grandes formalismos. Conversámos sobre ontem mas também sobre o hoje e o amanhã, sobre as nossas vidas, os projectos e a realidade atual. Ainda deu para dar um passeio a pé com direito a churros. Fomos felizes ali, naquele momento, como o fomos tantas vezes há vários anos atrás. Aproveitámos a companhia uns dos outros da melhor forma e programámos já o próximo para não dar espaço a que passe tanto tempo sem estarmos juntos.
Isso faz-me voltar ao inicio. À nossa caixinha de memórias e ao que ela significa para nós. Nunca é tarde para nos reaproximarmos daqueles que fazem parte de tantas histórias que se transformaram em boas memórias e têm um lugar lá guardado. Como faz todo o sentido que não paremos no tempo e que para não deixarmos que as saudades nos sufoquem, se construam permanentemente novas e diferentes histórias que amanhã, quando voltarmos a olhar para trás, foram parte da mesma “nuvem”. Hoje em dia, com tanta tecnologia e formas de contacto, não há razão para as pessoas que se gostam não falarem, não estarem juntas, não usufruirem da companhia umas das outras. Porque isso faz-nos bem, porque é disso que também vive a nossa felicidade e porque assim continuaremos a espalhar magia por aí.