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E quando os medicamentos faltam nas farmácias?

Três quartos dos inquiridos são de opinião de que a indústria está mais interessada nos proveitos financeiros do que em satisfazer as necessidades dos doentes, aponta a DECO

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Foto shutterstock

É um dos problemas que mais aflige os utentes. E com razão, dadas as suas implicações na saúde. Falamos da falta de medicamentos, que ocorre não só nas farmácias comunitárias, como revela um inquérito da DECO PROteste, mas inclusive nas farmácias hospitalares, como o DIÁRIO já muitas vezes deu conta.

Os medicamentos sujeitos a receita médica destinados ao tratamento de doenças cardiovasculares, do sistema nervoso central e de infecções são os que mais frequentemente estão indisponíveis na farmácia, revela um inquérito da associação a mil portugueses, entre os 25 e os 74 anos.

Um inquérito a mil portugueses, realizado pela DECO PROteste, em Fevereiro de 2024, revela que, no ano passado, quase metade dos inquiridos foram obrigados a aguardar, pelo menos, 24 horas por um medicamento de que necessitavam – para o Infarmed, mais de 12 horas de espera já é uma falta.

Mas este não é um problema recente. Em 2021, um estudo da mesma organização de consumidores chegou a conclusões idênticas, embora, nessa altura, houvesse uma justificação (ou uma desculpa) chamada Covid-19, que havia imposto entraves à produção e ao transporte.

Qual a solução para a falha do medicamento? Esperar...

Dos inquiridos que deparam com falta de medicamentos, metade optou por esperar que chegassem à mesma farmácia. Cerca de 19% não puderam ou não quiseram fazê-lo e compraram um fármaco similar, com o mesmo princípio ativo, a mesma forma farmacêutica e a mesma dosagem. Houve também os que recorreram ao médico para obter outra prescrição ou se deslocaram a outra farmácia, por vezes, noutra localidade.

Dos que esperaram, a maior parte conseguiu obter o fármaco, na mesma farmácia, em 24 a 72 horas, mas 16% aguardaram mais de uma semana. Os problemas ocorreram, na grande maioria (88%), com medicamentos prescritos pelo médico, sobretudo no grupo destinado ao tratamento de problemas cardiovasculares (19%) – anti-hipertensivos, anticoagulantes e medicamentos para baixar o colesterol, entre outros – e ao controlo de doenças que atingem o sistema nervoso central, incluindo depressão, ansiedade, epilepsia e doença de Parkinson (18 por cento). Em falta estavam também antibióticos e antivirais (15%), bem como fármacos para problemas endócrinos, como a diabetes e as doenças da tiroide (14 por cento).

Porque falta o medicamento?

A razão que mais inquiridos ouviram para a indisponibilidade do medicamento foi "elevada procura" (44 por cento). A escassez do princípio activo (19%) e os problemas logísticos (17%), como eventuais dificuldades de armazenamento ou de entrega, surgem nos segundo e terceiro lugares do rol de justificações. De salientar, ainda, que um quinto não sabe os motivos.

Independentemente das causas, três quartos dos inquiridos são de opinião de que a indústria está mais interessada nos proveitos financeiros do que em satisfazer as necessidades dos doentes. Mais: 37% consideram que a legislação atual não basta para evitar as faltas. Três em cada dez julgam também que as autoridades nacionais não fazem o suficiente para resolver a situação.

Uma das medidas legais para evitar a ruptura no abastecimento é o controlo da exportação, aponta a DECO. É sabido que parte dos medicamentos que chegam aos grossistas portugueses são exportados para países europeus, como Alemanha e Dinamarca, onde os preços e, logo, os ganhos são mais atractivos. Para limitar eventuais reflexos desta prática, conhecida como exportação paralela, a autoridade do medicamento define mensalmente uma lista de fármacos cuja exportação é temporariamente suspensa.

Esta proibição visa assegurar o abastecimento do mercado nacional após a ocorrência de uma rutura e aplica-se a todos os intervenientes no circuito, incluindo os fabricantes.

Falhas de tratamento agravam sintomas

A falta de medicamentos pode ter consequências directas na saúde de quem deles precisa. Metade dos inquiridos que enfrentaram faltas indicaram ter sentido impacto, sobretudo, no agravamento dos sintomas (28 por cento). A par disso, 27% referiram preocupação e ansiedade por não encontrarem o fármaco. Em 12% dos casos, o impacto na saúde foi (muito) grande. Sensivelmente a mesma percentagem de inquiridos referiu também ter sentido efeitos negativos consideráveis nas atividades profissionais e domésticas. Os problemas aumentam, claro, com o tempo de espera e são maiores para quem sofre de doenças crónicas. Não menos importantes foram os custos extra (14 euros, em média) que cerca de um terço teve de suportar, em transporte e nos próprios medicamentos.

As exigências da DECO

A principal vítima da falta de medicamentos na farmácia é, claro, o consumidor. Além de um eventual comprometimento da saúde, este é, muitas vezes, obrigado a suportar custos extra, em particular quando o tal fármaco é um dos mais baratos de um grupo homogéneo e sobre o qual incide maior comparticipação do Estado. Para evitar esta penalização, a DECO PROteste defende que o cálculo do preço de referência, sobre o qual incide a comparticipação, acompanhe a disponibilidade efetiva dos medicamentos.

“Às autoridades nacionais do medicamento, como o Infarmed, exige-se que garantam o cumprimento da lei por parte da indústria farmacêutica e dos distribuidores. Para proteger a saúde e a carteira de quem precisa”, lê-se na informação.