Investigação da UPorto resgata Constituições Sinodais de Miranda passados mais de 450 anos
As "Constituições Synodaes do Bispado de Miranda", "livro raro" de 1565 de que apenas existem 14 exemplares, têm agora uma segunda edição, ao fim de quase cinco séculos, após trabalho de investigação e resgate realizado na Universidade do Porto (UP).
A nova edição será apresentada hoje na Concatedral de Miranda do Douro, no distrito de Bragança, e dá a conhecer o trabalho feito.
Conjunto de normas saídas dos Sínodos Diocesanos, como "regimento da vida cristã", as constituições sinodais, definidas por cada bispado, tinham um impacto extenso na vida quotidiana, com implicações não só religiosas mas também políticas e civis, acabando por se revelar como "protótipos precursores de uma organização mais articulada da vida em comunidade", antecipando em séculos estruturas legislativas fundamentais do ordenamento do Estado, como destaca o prefácio da nova edição.
Em declarações à agência Lusa, o diretor do Instituto de Filosofia da Universidade do Porto (UP), José Francisco Meirinhos, disse que, no caso das "Constituições Synodaes do Bispado de Miranda", se trata de uma obra muito rara, havendo apenas um exemplar em condições dos 14 que foram publicados há 459 anos.
"Trata-se de uma reedição das 'Constituições Synodaes do Bispado de Miranda' publicadas pela primeira vez em 1565, sendo provavelmente o primeiro livro publicado dedicado à cultura religiosa na Terra de Miranda. Por este motivo, fazer uma segunda edição desta obra que é muito rara [é] de uma grande importância cultural e científica", disse o investigador à Lusa.
Como se lê no prefácio, estas 'constituições' constituem não só "um documento de extraordinária importância para a história da Igreja em Portugal", mas também "para se compreender a posição cultural e política de Miranda em meados do século XVI como centro administrativo e eclesiástico de um novo bispado, que ocupava uma importante posição militar sobre a linha defensiva e de fronteira com Espanha". Possuem ainda "a particularidade de incorporar as posições da Igreja de Roma aprovadas no longo concílio de Trento", que se estendera de 1545 a 1563, apenas dois anos antes da publicação original.
José Francisco Meirinhos disse à Lusa que este livro estava esquecido e dos 14 exemplares existentes, 13 refletem o profundo desgaste do seu uso intensivo ao longo dos séculos.
"Há exemplares da primeira edição de 1565 que estão em mau estado. Em alguns casos há livros com falta de páginas, outros contêm anotações escritas à mão. Só resta um exemplar dos 14 editados, completo, que se encontra em Vila Viçosa e que era propriedade [do rei] Manuel II", explicou o investigador.
José Francisco Meirinhos disse ainda que há exemplares das "Constituições Synodaes do Bispado de Miranda" em países como Espanha, Alemanha e nos Estados Unidos, mas todos eles incompletos.
"O trabalho feito pelos investigadores passou por pegar em dois exemplares, um da Biblioteca Nacional, que está incompleto, e outro da atual diocese de Bragança -- Miranda, também incompleto e, com os dois, fazer esta segunda edição, reconstituída", explicou.
O livro estabelece a organização da antiga diocese de Miranda, como a hierarquia eclesiástica, as funções de cada membro da igreja e, sobretudo, qual a atividade de culto legítimo, que era prescrita aos habitantes da cada localidade da Terra de Miranda.
"As 'Constituições synodaes do bispado de Miranda', publicadas em Lisboa em 1565 por Francisco Correa, impressor do Cardeal Infante D. Henrique, são uma obra rara, como diversos bibliógrafos sublinham", enfatizou José Francisco Meirinhos.
"A nível local devem ter sido profundos, mas muito difíceis de conhecer com detalhe, os impactos destas regulações na vida de uma comunidade católica rural que até então estava na extrema periferia do bispado de Braga e de repente passa a ser o centro de um novo bispado", lê-se no prefácio da nova edição, numa referência à criação da diocese em 1545, o ano do início do Concílio de Trento.
Porém, mesmo não possuindo dados específicos sobre Miranda, como texto de regulação da vida religiosa, estas constituições deixam testemunho de natureza cultural e de culto "que seguramente influenciou as práticas religiosas, festivas ou comunitárias e mesmo a vivência das crenças pela população local ao longo dos séculos", acrescenta o texto introdutório.
De uma maneira geral, as constituições sinodais - como nota ainda o prefácio - "para lá do seu conteúdo doutrinário e religioso estrito, é também a nível político que as [suas] regras monásticas antigas e medievais induzem uma deslocação da ética e da política da ação individual para as formas de vida em comunidade, penetrando progressivamente na esfera profana, influenciando de modo durável tanto a ética como a política ocidental."
A apresentação da nova edição das "Constituições synodaes do bispado de Miranda", hoje, em Miranda do Douro, conta com os investigadores que procederam ao resgate da obra, com o professor de História Medieval e de História da Igreja da UP Luis Amaral, com José Francisco Meirinhos do Instituto de Filosofia da UP, e com o arcebispo primaz de Braga, José Cordeiro.
Esta nova edição inclui ainda com um estudo da professora de Literatura Maria de Lurdes Correia Fernandes, da Faculdade de Letras da UP.
As "Constituições Synodaes do Bispado de Miranda" foram estabelecidas por Julião de Alva, terceiro bispo da então diocese de Miranda, 20 anos após a sua criação, em 1545. Em 1780, a diocese de Miranda passou a diocese de Bragança-Miranda.