Mudança de contexto é suficiente para justificar alteração na posição sobre taxa turística no Funchal?
Na semana que ontem terminou, a Assembleia Municipal do Funchal aprovou e implementação/regulamento da taxa turística no Município, que deve começar a ser cobrada no dia 1 de Outubro. Desconsiderando as excepções, serão cobrados dois euros por noite a quem dorme em unidade turística e, a partir de Janeiro de 2025, idêntica quantia a passageiros de cruzeiro desembarcados no Porto do Funchal. A proposta, apresentada pelo executivo municipal de Cristina Pedra, teve os votos a favor de PSD, CDS, PS, BE e PDR. O PCP votou contra e o MPT absteve-se.
Apesar dos resultados, que reuniram a larguíssima maioria a favor, o debate foi aceso e o maior desaguisado deveu-se à acusação do PS sobre a mudança de posição da presidente, Cristina Pedra, relativamente a quando os socialistas governavam a autarquia e pretenderam implementar a taxa, em 2018.
Cristina Pedra alegou que “o contexto mudou”, na linha do que o vereador Bruno Pereira havia dito ao DIÁRIO, e que isso explica a sua mudança de posição relativamente à taxa.
Terá, no entanto, a alteração ocorrida sido de monta a justificar a mudança de posição?
A avaliação a que nos propomos envolve algum grau de subjectividade, pois, perante os mesmo factos, alguém pode entender que sim e outra pessoa que não, por estar em causa a formulação de uma posição/opinião. Tentaremos a maior objectividade possível. Para isso, vejamos o que aconteceu e o que foi dito.
Comecemos pelo número de hotéis.
Em 2013, chegaram a estar à venda na Região 20 hotéis.
A situação foi, entretanto melhorando, e, a meio de 2020, havia somente cinco. Mas, no final desse ano, em grande parte pelo efeito da pandemia por covid-19, o número havia duplicado para 10.
Depois, no primeiro semestre de cada um dos anos seguintes, contabilizados pelo portal de imobiliário Idealista, havia oito em 2021, sete em 2022, seis em 2027 e cinco em Fevereiro deste ano.
Quanto ao número total de hóspedes da indústria hoteleira, entrados na Região, os dados coligidos pela Direcção Regional de Estatística da Madeira mostram que se passou de 1,39 milhões em 2017 e 2018 (1,38 em 2019) para 1,97 milhões em 2023, depois da grande redução nos excepcionais anos de pandemia.
Isso significa que a Madeira teve de passar a lidar com aproximadamente mais 550 mil turistas por ano do que nos anos pré-pandemia. A maioria dos turistas, cerca de 60% fica alojada no Funchal e, mesmo não ficando, as pessoas frequentam assiduamente a capital. Houve um crescimento superior a 40% na entrada de hóspedes, mas também nas dormidas.
Esse aumento representa, como argumenta a CMF, uma sobrecarga para os serviços municipais, como os adstritos à limpeza urbana (só para exemplificar), ou nas infra-estruturas rodoviárias (também só a título de exemplo).
Por outro lado, se há menos hotéis à venda, esse facto pode ser lido como existindo menos complicações no sector, por se encontrar mais rentável.
Não estando, aqui, em causa uma avaliação aos ganhos e inconvenientes do crescimento do turismo, na dimensão e nos moldes que se tem verificado, parece incontestável que o contexto mudou, como argumentou a presidente da CMF, na reunião da Assembleia Municipal da última semana.
No entanto, não é possível afirmar sem dúvidas que essa mudança foi a única justificação para a alteração da posição de contra para a favor.
Há outro contexto que se alterou e que pode ajudar a explicar a mudança da posição de Cristina Pedra. Foi a transformação no contexto político.
Na altura em que levantou muitas dúvidas e se manifestou contra a introdução da taxa turística no Funchal, governava a cidade uma coligação liderada pelo PS. Agora, os destinos do Município estão nas mãos de uma coligação liderada pelo PSD.
Em 2018, Cristina Pedra liderava a ACIF – Associação Comercial e Industrial do Funchal – e, nessa qualidade, tinha como dever estatutário defender “os legítimos interesses dos seus (ACIF) membros”. Foi o que então fez.
Agora, com a saída de Pedro Calado, Cristina Pedra é presidente da autarquia e, nessa qualidade, cabe-lhe defender os interesses de todos os munícipes, sejam eles associados da ACIF ou não.
Estas mudanças de contexto político e pessoal de Cristina Pedra também podem ter pesado na alteração da sua posição sobre a implementação de uma taxa turística no Município do Funchal.
Pelo exposto, avaliamos como imprecisa a alegação de que a mudança de posição se deveu à alteração no sector turístico, apesar de ser inquestionável esse aspecto, como visto acima. Aliás, a própria ACIF, quando auscultada pela autarquia em Fevereiro deste ano, disse concordar com a taxa, contrariando a sua posição histórica, devido ao novo contexto do destino, que registou um grande crescimento da procura e está sujeito a várias pressões, como defendeu o vice-presidente António Jardim Fernandes. Ainda assim, não se pode excluir que as alterações nos contextos político e pessoal da presidente tenham influenciado e/ou determinado, pelo menos em parte, a sua mudança de posição.