Os navios científicos e a economia do mar
O Plano de Recuperação e Resiliência (PRR) é um fundo de investimento europeu com o objetivo de implementar reformas destinadas a repor o “crescimento económico sustentável”, no período pós pandemia do COVID19, que contemplou todos os Estados membros da UE. Os investimentos focam-se no desenvolvimento de três áreas estruturantes: i) Aumentar a Resiliência (da economia); ii) Facilitar a Transição Climática e iii) Promover a Transição Digital.
De forma a promover o aumento da Resiliência da economia, o investimento irá incidir nas componentes: Saúde (C01); Habitação (C02); Capitalização e inovação empresarial (C05); Florestas (C08); Gestão Hídrica (C09), etc... Para facilitar a Transição Digital das economias europeias serão financiadas as componentes das Empresas 4.0 (C16); Escola Digital (C20); Finanças Públicas (C17), entre outras. A Transição Climática irá financiar as componentes focadas na Descarbonização da indústria (C11); Eficiência Energética dos Edifícios (C13); Hidrogénio e Renováveis (C14); Mobilidade sustentável (C15); o Mar (C10), etc...
A dotação total do PRR para Portugal, cifrou-se em 22,216M€, para o desenvolvimento de 22 Componentes (C01-C22), com 168 investimentos, propondo o cumprimento de 463 Marcos e Metas. Todos os projetos aprovados passaram pelo escrutínio dos peritos da CE (Comissão Europeia).
A componente C10-Mar pretende “preparar o caminho para uma economia do mar mais competitiva, mais coesa e mais inclusiva”. Porque é impossível criar economia sem recursos e explorar recursos cuja existência desconhecemos, os cerca de 393M€ adstritos a esta componente em Portugal, visam sobretudo a construção de infraestruturas para aquisição de mais conhecimento sobre o nosso entorno marítimo.
No continente, cerca de 298M€ do investimento foram dedicados à criação de infraestruturas para a Economia Azul e Defesa. Este investimento contempla a criação de plataformas tecnológicas para a exploração do mar, incluindo-se a construção de um navio multifunções de 132M€ (94M€ investimento PRR e o restante OE).
Nos Açores está a ser implementada uma plataforma tecnológica para o Mar e para as Pescas com 53M€ de investimento PRR. Preveem a construção de um novo navio de 20M€ para substituir o R/V “Arquipélago”, que tem estado ao serviço daquelas ilhas desde 1993.
A Plataforma Tecnológica para explorar o mar da Madeira tem previstos 20M€ (TC-C10-i06-RAM - Tecnologias Oceânicas). Para além da construção de um navio de 14M€ serão adquiridos veículos autónomos não tripulados capazes de explorar a nossa ampla ZEE, com cerca de 500,000 km2 e com profundidades que superam os 5000m a pouca distância da costa das ilhas. Para conhecer melhor os nossos recursos marítimos é necessário ir para o mar, durante períodos mais longos e com capacidade de mergulhar no mar profundo.
Importa clarificar, que na dotação inicial do PRR para a Madeira, o Mar tinha um investimento marginal de 5M€ (0.7%). As empresas (C5) obtiveram um investimento de 130 M€ (16%), a habitação (136M€) e a saúde (104M€), e bem!
No entanto, após uma longa e difícil negociação com a CE, a Madeira foi contemplada com o reforço de fundos para a implementação das “Tecnologias Oceânicas”, (entre outras componentes), aumentando a dotação em projetos do Mar de 1.7M€ para 21.7M€. Este reforço, em nada prejudicou todo o financiamento previsto para empresas, habitação e saúde.
Devemos, no entanto, frisar, que dada a nossa dimensão, as instituições regionais têm uma capacidade de tesouraria limitada para executar financiamento em curtos espaços de tempo (2022-2026). Resta-nos dois anos para concretizar ou devolver os (novos) investimentos PRR.
Por tudo isto, é desconcertante questionar os 14M€ previstos no PRR, que pagam a 100% a construção de um navio multiusos a operar na R.A.M. A Madeira decidiu, e bem, dar prioridade a uma área tão estratégica como Mar, integrada numa política nacional. Portugal negligenciou o seu entorno marítimo durante demasiado tempo, só agora aproveitando o PRR para avançar com investimentos em novos navios.
Durante os próximos anos serão mais os navios a abater do que os navios a construir / adquirir em Portugal. Os navios do IPMA “Noruega” e o “Diplodus”, bem como os navios do Instituto Hidrográfico “NRP Andrómeda” e “NRP Auriga”, cuja idade e o custo de recuperação tornam qualquer (nova) intervenção insustentável. Países europeus como a Holanda, a Bélgica e a Alemanha estão a substituir sua frota de navios científicos de forma a garantir presença e supremacia científica. O Reino Unido por outro lado, anunciou a construção de uma frota científica 100% neutra em carbono até 2050, combinando sistemas não tripulados com navios energeticamente eficientes.
Na “Década dos Oceanos” declarada pela ONU, todos os navios científicos operacionais em Portugal, a partir de 2026, serão poucos, para um País que ambiciona compensar o tempo perdido e retomar o domínio sobre os recursos da 5ª maior ZEE da Europa com 1.727,408 km2. Torna-se por isso urgente não perdermos tempo com discussões fúteis. A mobilização da sociedade civil, das empresas e das instituições académicas em torno da (re)conquista e exploração do mar Português tornou-se um (novo) desígnio nacional.