Estabilidade ou teimosia?
Todos sabemos que, em política, o que hoje é amanhã não é. Há milhares de exemplos que confirmam a máxima popular, que retira credibilidade à arte que deveria única e exclusivamente servir o povo.
Se não podemos pedir aos partidos que violem os seus princípios e as suas linhas programáticas, podemos sim exigir que olhem para a realidade como ela é e que ponham os interesses do colectivo à frente dos seus.
O que se passa na Região é atípico porque nunca houve necessidade de o partido vencedor negociar desta forma a viabilização de um programa de Governo. O que se passou na semana passada demonstra que é possível encontrar vias de entendimento e governar atendendo a diversas sensibilidades, neste caso da IL e do PAN, os partidos com apenas um deputado na Assembleia e que não fazem maioria com o PSD. O que está em causa é o futuro imediato, a resolução de problemas, a operacionalização de investimentos. Apesar da bipolaridade manifestada pelo Chega, que fala a duas vozes e que começa a revelar fissuras internas, era e é no parlamento que está a solução de qualquer governo. Com o resultado eleitoral definido, com um governo empossado, só falta garantir a aprovação do programa e depois a do Orçamento, que é, ao contrário do que muitos querem fazer crer, um instrumento determinante para a condução da política económica da Região.
É na Assembleia Legislativa da Madeira, eleita pelo povo, que se decide, não em Lisboa nem nos directórios dos partidos que não conseguiram no terreno e pelos vistos na secretaria transformar derrotas em vitórias.
Nesta trama infindável o PS alheou-se do diálogo, da negociação, da solução. Nem fez uma tentativa séria para isso. Desaproveitou uma oportunidade para marcar a agenda política, para impor as suas principais bandeiras. Prefere dramatizar e acantonar-se num terreno que nunca lhe foi favorável. Coloca-se à margem, dando palco e a primazia a um partido conotado com a extrema-direita, com uma agenda dúbia, populista e oportunista. Paulo Cafôfo não percebeu o que está em jogo, nem teve perspicácia de ver ao longe. Ou tem dados que lhe conferem uma maioria estável caso haja eleições antecipadas? Não tem, seguramente, e nunca vai descolar se mantiver uma narrativa de ‘terra queimada’ e de correr ‘atrás do prejuízo’. O seu PS não apresenta argumentos para ser poder. Não teve votos para isso, nem parceiros que lhe confiram uma maioria. Mas insiste no movimento autofágico.
À entrada de uma semana decisiva, é no parlamento que se vai ditar o futuro, com ou sem disciplina de voto. Tal como aprova pode também chumbar, sancionar medidas contra a maioria e, em última análise, censurar, provocando a queda do executivo. Tudo tem o seu tempo. E o tempo actual carece de estabilidade e de normalidade. Ninguém quer eleições. Nem os partidos as devem desejar. Pelos motivos óbvios.
Mais do que nunca o papel fiscalizador do parlamento vem ao de cima. Miguel Albuquerque assume “humildade”, porque sabe que o seu governo está no fio da navalha, sob escrutínio máximo e que qualquer tique autoritário pode implicar a sua queda. Deve também pensar muito bem na inflexibilidade da sua decisão de não sair. Por vezes é necessário recuar para depois avançar. Um partido com quase meio século de poder tem de ter alternativas ao actual líder. Essa discussão tem de ser feita, porque não há homens providenciais nem indispensáveis.
Este momento deve ser aproveitado para o aprofundamento democrático da Região, para o combate sério do domínio total da máquina da administração pública, às situações de favor e à posse exclusiva do aparelho laranja nos lugares de liderança.
A estabilidade merece este esforço acrescido, entendimentos contra-natura e seriedade na acção. A democracia encontrará sempre uma solução para os incumpridores.