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Crónicas

A escolha é entre o medo e o amor

O que é que faz com que a estratégia do “não quero casar” seja tão importante na vida de algumas pessoas? De onde vem - em consciência e não em co-dependência - a conexão, a pertença, o reconhecimento, a segurança, o estímulo, o compromisso?... Será que quem se assume anti-casamento consegue, honestamente, nutrir sozinho as suas próprias necessidades?

“Casar, para quê?”, “nunca mais me caso”, “já vivo junto é a mesma coisa que estar casado”, “é melhor um bom companheiro do que um mau marido”… fico por aqui porque uma crónica não chegaria para escrever a quantidade de propostas que por aí abundam, neste avanço de cepticismo e propaganda anti-casamento. Curioso, se pensarmos que somos seres sociais, que precisamos de vínculo e relacionamentos para sobrevivermos e vivermos em plenitude. A nossa biologia e a nossa psicologia estão organizadas numa perspectiva plural, em relação. Nós vemo-nos, sentimos e aprendemos sobre nós, através do outro.

Num mundo que se apresenta vertiginosamente confuso, há espaço de sobra para entorpecer o coração, os sentidos e a razão. É um risco real. É tão fácil perder de vista o essencial. E perder o essencial é atirar para as catacumbas as nossas necessidades e, nalgum momento, elas hão-de manifestar-se em forma de expectativas, check-list e comportamentos menos adequados. Para nós e para os outros. Por exemplo, saltar de relação em relação ou optar por só se relacionar com pessoas casadas.

Parecem ser cada vez mais, aqueles que - em piloto automático- vivem prisioneiros da rotina, inconscientes de crenças limitadoras instaladas. Programados para falhar nas relações, programados para o desamor. E sempre que entregamos a condução da nossa vida a um piloto sonolento, abrimos mão da capacidade de ativar as dimensões profundas do amor. Acontece também, sobretudo, quando nós, mulheres, tendemos a acreditar que somos super heroínas, super independentes, que não precisamos de ninguém, muito menos de um homem para nos acompanhar, lado a lado na vida. Que é melhor juntar porque é mais fácil sair da relação (um pensamento inconsciente que pressupõe, à partida, que a relação vai falhar).

Parece-me que atrás da afirmação do “não quero casar”, está uma das grandes propostas do desenvolvimento pessoal do século XXI que é a crença da autosuficiência, também do ponto de vista emocional. Só que a visão “romântica” do ermita é contra natura. Se calhar, quem apregoa viver bem sozinho, pode ter de aprender a estar bem em partilha diária. Com tudo o que a mesma implica. Acredito mesmo que é mais fácil estar sozinho quando temos alguém. Por outras palavras, a segurança que o casamento oferece, reflecte-se nos momentos em que enfrentamos outras “arenas”, sozinhos.

Entrevistei há anos o Professor Dr. Bruce Lipton. Entre os vários livros maravilhosos que escreveu, Lipton entregou-nos um que recomendo, em particular - “O efeito Lua de Mel”. O cientista descreve a forte ligação entre a física quântica, a bioquímica e a psicologia, demonstrando o papel que desempenham no casamento. Lipton é casado em segundas núpcias há décadas. Diz que no primeiro casamento ainda estava em fase de investigação e não conhecia o que agora nos oferece, com propriedade, um verdadeiro guia para um casamento harmonioso. Creio que o entendo na primeira pessoa. Presenciei a relação, absolutamente inspiracional, que tem com a sua mulher. É real. É amor em ação.

“Nada senão o próprio amor pode explicar amor e os amantes”
Rumi

Se é verdade que não há certezas (e ainda bem) que a troca de alianças garanta felicidade para sempre, que as ‘borboletas’ vão estar sempre a manifestar-se na nossa barriga, também é verdade que só o casamento oferece um grau de compromisso ímpar, elevado, misteriosamente transcendental.

Pode parecer um paradoxo, e no entanto, casar abre portas à vivência do amor incondicional, completamente desinteressado. “Se eu não amar por amar, nada sou.”

Fascina-me a descrição, real, de S. Paulo, acerca do amor. “Paciente, benigno, não é invejoso, não é altivo, não é inconveniente, não procura o próprio interesse, não se irrita, não guarda ressentimento, tudo desculpa, tudo crê, tudo espera, tudo suporta.” É este amor o pilar do casamento. É um amor que começa no próprio (amor-próprio) e se estende ao próximo. Onde existe igual valor e dignidade, responsabilidade pessoal e equidade. Mas é isto: ação. Como dizia o terapeuta familiar dinamarquês, Jesper Juul, até ser colocado em atos, o amor não conta.

E no casamento, as palavras ganham ainda mais significado. As palavras são poderosas e permanentes. Dizer “marido/ mulher” terá um significado muito mais profundo do que dizer “namorado(a)” ou “companheiro(a)”. O casamento traz também consigo, a legalidade. Nenhuma palavra, por mais sincera que seja, encerra a seriedade de um compromisso legal.

O casamento é aquele ato de coragem radical que promete fazer da passagem dos anos uma via de amadurecimento. É um projeto de vida a dois, onde impera a honestidade e o compromisso de contribuir para o crescimento comum e individual. Com espaço seguro para que cada um manifeste ser um pouco melhor todos os dias. Costumo dizer que a relação com os nossos filhos é, provavelmente, o melhor curso de desenvolvimento pessoal do mundo, seguido do casamento. Sou mulher, sou mãe e sou casada. Sinto-me muito feliz e plena nesta vivência. Em constante crescimento.

Numa conversa com jovens, o Papa Francisco partilhou 10 conselhos que me parecem muito úteis. Foram-me apresentados por um professor de neurociência, ateu, na UCSC. Lembrou-nos que estes conselhos do Papa, aplicam-se a todos os seres humanos, independentemente das suas crenças religiosas ou etnias. Concordo e é por isso que os recupero, agora, com a ressalva que onde lemos “homem – mulher”, lemos também: “homem – homem”, “mulher – mulher”:

1. “O casamento é um símbolo da vida, da vida real, não é um romance”.

2. “O casamento não é uma estrada plana, sem problemas. Caso contrário, não seria humano. É uma viagem comprometida, por vezes difícil, mas faz parte da vida”.

3. “O casamento é uma jornada comum entre um homem e uma mulher, no qual o homem tem a missão de ajudar a mulher a ser uma mulher melhor, e a mulher tem a missão de ajudar o marido a ser mais homem. Esta é a missão que vocês têm em comum. É a reciprocidade da diferença”.

4. “Um casamento não tem sucesso apenas pelo tempo de duração, a qualidade é muito importante. Permanecerem juntos e saberem amar-se para sempre, é o desafio de todos cônjuges cristãos”.

5. “É normal que os maridos discutam, é normal. Acontece sempre. Aconselho-vos porém, a nunca terminarem o dia sem criar a paz”.

6. "Todos sabemos que não há uma família perfeita, nenhum marido ou esposa perfeita, mas: um dia nunca termina sem pedir perdão”.

7. “Ter um lugar ao qual regressar ao final do dia significa ter um lar. Ter pessoas a quem amar, significa ter Família, e possuir ambas é uma Bênção”.

8. “Hoje, a família é desprezada, maltratada, e o que nos é pedido é reconhecer como é bom e autêntico constituir e nutrir uma família, ser uma família – algo tão indispensável para a vida neste mundo, para o futuro da humanidade”.

9. “A família é a fonte de toda a fraternidade, e é por isso que é também o fundamento e o caminho primordial para a paz, porque, por vocação, deve contagiar o mundo com o seu amor”.

10. “O que mais pesa do que todas as outras coisas é a falta de amor. Pesa não receber um sorriso, pesa a força de um silêncio. Por vezes, também em família, entre marido e mulher, entre pais e filhos e entre irmãos. Sem amor, o esforço torna-se cada vez mais pesado, intolerável”.

Li há poucas semanas, uma partilha que resume tudo isto, feita pelo Pedro Chagas Freitas, na celebração do seu décimo aniversário de casamento: “casar é assumir, literalmente, um papel. Nós já o assumíamos antes, mas demos mais um passo, legalizámos o amor. De então para cá, fomos muito maiores, muito mais humanos. Falhámos, acertámos. Rimos, soltámos umas lágrimas. Encontrámos mais um amor no nosso”.

Como descreve e vive o querido Dr. Bruce Lipton, “podemos criar e manter os sentimentos de amor que sentimos no início da relação. O amor é o factor de crescimento mais poderoso do ser humano”.

Amor gera amor. Entre o medo e o amor: o amor. Sempre.