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Fact Check Madeira

Há empregados de mesa nos restaurantes da Madeira que não falam português?

O problema não se coloca com os imigrantes dos PALOP ou do Brasil, mas sim com os que são oriundos dos países asiáticos. Nota-se, também, o aumento do número de trabalhadores luso-venezuelanos. 
O problema não se coloca com os imigrantes dos PALOP ou do Brasil, mas sim com os que são oriundos dos países asiáticos. Nota-se, também, o aumento do número de trabalhadores luso-venezuelanos. , Foto Hélder Santos/ASPRESS

Nos últimos meses, a falta de mão-de-obra em alguns sectores da economia regional tem sido apontada como argumento para justificar o aumento de trabalhadores estrangeiros que têm chegado à Madeira, muitos dos quais provenientes dos chamados países indostânicos, com cultura e hábitos bastante distintos dos europeus.

Num comentário à notícia que dava conta do plano anunciado pelo Governo da República com regras mais apertadas para os migrantes que pretendessem entrar em Portugal, um internauta, na rede social Facebook, apontava que, na Madeira, são cada vez mais os trabalhadores estrangeiros nos sectores da restauração e hotelaria que não sabem falar português.

Mas será mesmo assim? É isso que vamos procurar aqui esclarecer.

Na caracterização da população empregada da Madeira, feita pela Direcção Regional de Estatística (DREM), no passado mês de Março, tendo em conta o período de 2021 a 2023, constatava-se que o sector dos ‘Serviços’, onde se inclui, entre outras valências, a hotelaria e a restauração, era o maior empregador da Região, representando, no ano passado, 82,9% da população empregada, relação idêntica à verificada em 2021.

A mesma fonte refere que 15% desses trabalhadores estavam ligados a actividades no âmbito do ‘alojamento, restauração e similares’, sendo mesmo a fatia mais representativa nesse conjunto.

Na generalidade, a DREM notava que a população empregada tem revelado uma tendência crescente ao longo dos anos, em termos médios, acima da variação populacional na Região, evidenciando a importância que os trabalhadores estrangeiros/imigrantes representam nesse universo. “No quarto trimestre de 2023, a população empregada fixou-se em 129,4 mil pessoas, correspondendo a uma taxa de emprego de 58,6%. A taxa de emprego em 2023 foi igual a 58,8%, representando um acréscimo de 4,3 pontos percentuais (p.p.) em comparação com a taxa de 54,5%, registada em 2021”, podemos ler na mesma publicação.

A nível nacional, dados divulgados hoje pelo Banco de Portugal, que têm em conta as contribuições para a Segurança Social, permitem constatar que o número de trabalhadores estrangeiros, no nosso País, em 2023, era de 495,2 mil pessoas, quando em 2014 esse número era de 55,6 mil. Refere a mesma fonte que, "entre 2019 e 2023, o número de trabalhadores por conta de outrem registados na Segurança Social cresceu 13,0%, com um contributo de 9,3 pp atribuível aos trabalhadores de nacionalidade estrangeira". 

Esse aumento tem sido sentido, também, na Madeira e foi, de certa forma, evidenciado, ao DIÁRIO, por Adolfo Freitas. O representante do Sindicato dos Trabalhadores na Hotelaria, Turismo, Alimentação, Serviços e Similares da RAM atesta que esses imigrantes estão ligados, sobretudo, à hotelaria, embora note o número crescente que acaba conseguindo emprego na restauração, muitas vezes no atendimento ao público. Incluem-se, aqui, profissões como barman ou empregado de mesa.

O sindicalista recorda um levantamento feito recentemente pelo Sindicato, em conjunto com outras organizações, tendo como alvo os estabelecimentos do concelho do Funchal. Nessa análise, apuraram que, a hotelaria e restauração madeirenses contam já com trabalhadores de 18 nacionalidades diferentes, aproveitando para lamentar o facto de muitos deles não falarem português.

Que fique claro que não temos nada contra esses imigrantes, bem pelo contrário, apoiamos a vinda desses trabalhadores e em alguns casos até estamos a falar de trabalhadores com muita experiência profissional, que trazem novas ideias, novas ferramentas de trabalho, o que também enriquece a forma que disponibilizamos. Adolfo Freitas, Sindicato dos Trabalhadores na Hotelaria, Turismo, Alimentação, Serviços e Similares da RAM

Ainda que reconheça que muitos destes trabalhadores lidam, sobretudo, com turistas, não deixa de evidenciar a importância de terem um mínimo de conhecimentos da língua portuguesa, algo que não acontece, com a agravante de nem o inglês conseguirem falar minimamente.

O sindicalista aponta dois grandes problemas que afectam estes trabalhadores. Um deles diz respeito à exploração laboral de que muitas dessas pessoas são alvo, nomeadamente com horários desregulados, sem direitos a dias de folga e com salários muito inferiores aos que deveriam ser praticados.

“Em algumas situações, são trabalhadores que ficam a ganhar o salário mais baixo que existe, são explorados e os seus direitos não são respeitados”, sustenta, atribuindo muito dessa situação ao fim da exigência de depósito do contrato de trabalho aos imigrantes que entram na Região na Direcção Regional de Trabalho, que funcionava como uma primeira entidade fiscalizadora. “Abriram-se as portas para que alguns empregadores, sem quaisquer escrúpulos, usarem estas pessoas, alegando falta de mão-de-obra, para não valorizarem os trabalhadores da Região”, critica Adolfo Freitas.

O outro problema apontado prende com “a barreira linguística”. E se a situação é minorada quando esses trabalhadores integram os serviços de cozinha ou copa, o caso muda de figura quando passamos para os empregados que prestam serviço directamente ao cliente, servindo às mesas ou similares.

“Temos muitos casos de imigrantes na hotelaria e na restauração que não falam português, ou pouco ou nada sabem dizer, e não falam nem inglês nem outras línguas europeias, levando ao cúmulo de falarem por gestos com os clientes”, assevera. Criticando as entidades governativas, por não exigirem responsabilidade aos empregadores, Adolfo Freitas entende estarmos perante factores que condicionam a qualidade do destino Madeira.  

“Uma das condições para trabalhar no atendimento ao cliente, quer na restauração, quer na hotelaria, devia ser o domínio mínimo da língua portuguesa, a língua do país de acolhimento”, defende o sindicalista, adiantando que “cada empresário faz como quer e entende”.

Reconhecendo a dificuldade em contabilizar, ao certo, o número de trabalhadores nessa condição, atendendo à volatilidade e precariedade de alguns vínculos laborais, Adolfo Freitas nota que, só no Funchal, serão cerca de 150 trabalhadores, acreditando que, na realidade, esses números sejam mais gravosos.

Numa passagem rápida entre a Zona Velha do Funchal e o perímetro da Sé do Funchal, no horário do almoço, a reportagem do DIÁRIO pôde constatar a presença de muitos trabalhadores de países orientais, que não conseguiam expressar-se em português. Mas esta será uma realidade transversal a toda a Região, incluindo ao Porto Santo.

O DIÁRIO procurou indagar junto da Direcção Regional do Trabalho que consequência têm tido as situações apontadas, com Savino Correia a refere que não têm sido reportados quaisquer problemas.

O director regional nota que esse problema não se coloca com os imigrantes vindos do Brasil e dos PALOP’s - Países Africanos de Língua Oficial Portuguesa. Quando confrontado com o caso dos cidadãos provenientes de países como o Nepal, o Bangladesh ou outras comunidades indostânicas, aquele responsável reconheceu, ainda que de forma empírica, o aumento da situação, apontado que a Madeira está a passar pelo que tem passado as Canárias de há alguns anos a esta parte, fenómeno que também já toca os Açores.

Savino Correia defende que nenhum imigrante deveria poder entrar em Portugal sem ter, de antemão, um contrato de trabalho, ideia que deverá ser contemplada nas medidas mais apertadas que o Governo da República anunciou para o novo plano para as migrações, cujos contornos deverão ser hoje conhecidos.

À parte essas questões, e particularmente no que respeita à questão do domínio da língua portuguesa pelos trabalhadores da restauração e da hotelaria da Região, e face ao exposto, constatamos ser verdade que muitos deles não falam português.

É, por isso, verdadeiro o comentário do internauta Rui Jorge, no Facebook do DIÁRIO, ao referir que “aqui na Madeira é uma tristeza, alguns hotéis e restaurantes. Estamos em Portugal e temos de falar o inglês”.

"Aqui na Madeira é uma tristeza, alguns hotéis e restaurantes. Estamos em Portugal e temos de falar o inglês", disse o internauta Rui Jorge num comentário na rede social Facebook a respeito desses trabalhadores não falarem português.