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Câmara de Lisboa avalia Memorial às Pessoas Escravizadas na Ribeira das Naus

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Foto DR

A instalação do Memorial às Pessoas Escravizadas, que venceu o Orçamento Participativo de Lisboa em 2017, entre a antiga doca seca da Ribeira das Naus e a primeira esplanada relvada, vai ser avaliada pela câmara, informou ontem a autarquia.

A câmara revelou que, na quarta-feira, numa reunião com a vereadora da Economia e Inovação, Joana Oliveira Costa, a Djass -- Associação de Afrodescendentes avançou com a possibilidade de instalação do memorial de homenagem aos milhões de pessoas escravizadas pelo império português "no espaço entre a antiga doca seca da Ribeira das Naus e a primeira esplanada relvada".

"Em face desta contraproposta, a Câmara de Lisboa irá, uma vez mais, avaliar esta nova possibilidade em concreto", acrescentou a autarquia, em resposta à Lusa.

A presidente da Djass, Evalina Dias, que candidatou ao Orçamento Participativo (OP) de Lisboa, em 2017, a criação do memorial no relvado da Ribeira das Naus, especificou à Lusa que "a câmara ficou de ver se os terrenos continuam na posse da Marinha e se está disponível para a instalação do monumento".

A câmara tinha proposto à Djass que o Memorial às Pessoas Escravizadas ficasse "junto à Agência Europeia para a Segurança Marítima, na Avenida da Ribeira das Naus, o que, no entender da autarquia, correspondia totalmente aos requisitos solicitados", mas a associação rejeitou.

A presidente da Djass explicou que a associação recusou a localização, nas traseiras das agências europeias, porque "está de costas para o rio" Tejo e "não convida à reclusão" e contemplação do memorial, cujo objetivo principal é prestar tributo à memória dos milhões de africanos "escravizados por Portugal ao longo da sua História, nomeadamente entre os séculos XV e XIX".

O monumento visa homenagear as "vítimas e resistentes de ontem e de hoje", promover "o reconhecimento histórico do papel de Portugal na escravatura e no tráfico de pessoas escravizadas" e evocar os legados desse longo período na sociedade portuguesa atual, "desde a rica herança cultural africana às formas contemporâneas de opressão e discriminação".

O memorial foi um dos vencedores do OP de 2017, que financia projetos escolhidos pela sociedade civil, e em 2019 a autarquia aumentou para 150 mil euros a dotação orçamental para a sua execução, além de confirmar a criação, numa segunda fase, de um centro interpretativo associado, que permita uma contextualização histórica do tema, num edifício junto ao Largo José Saramago (Campo das Cebolas).

A Djass criou, em 2018, um grupo consultivo constituído por ativistas com ligação ao movimento negro e antirracista e por especialistas em história, estudos pós-coloniais, arte e museologia, para a escolha do autor do memorial, que recaiu em "Plantação", do artista angolano Kiluanji Kia Henda, constituído por centenas de canas-de-açúcar em alumínio, o "ouro branco" que esteve nas origens do tráfico de pessoas escravizadas.

Para a instalação do memorial no Campo das Cebolas e para diminuir o impacto da "plantação", Kia Henda reduziu de 540 para 400 as canas em alumínio preto, com três metros de altura.

Contudo, segundo Evalina Dias, a proposta acabou por ser suspensa pelo novo executivo de Carlos Moedas (PSD), alegando falta de pareceres obrigatórios da Direção-Geral do Património Nacional (DGPC) por estar na Zona Especial de Proteção da Sé de Lisboa, monumento nacional.

A então DGPC deu parecer negativo ao projeto face aos relevantes impactos visuais da "plantação" na ligação entre o largo e os imóveis nas proximidades, como a Casa dos Bicos, e o Tejo.

A Empresa de Mobilidade e Estacionamento de Lisboa (EMEL) também emitiu parecer desfavorável com base no risco que representava a perfuração da cobertura do parque de estacionamento do Largo José Saramago para fixar as 400 canas-de-açúcar em alumínio.

Apesar das contrariedades e da demora em se encontrar um local para o monumento, a autarquia reforçou que "o atual executivo da Câmara de Lisboa tem desde sempre estado fortemente empenhado, algo que irá manter, no processo de criação de uma solução para a construção de um Memorial de Homenagem às Pessoas Escravizadas".