Os desígnios da motivação
Um dia fui confrontado com a morte de um grande amigo e nesse dia a nossa última conversa foi sobre o que nós deixamos ainda por fazer quando morremos. Essa conversa ficou para sempre gravada na minha memória.
As nossas motivações muitas vezes transcendem explicações e até contradizem a racionalidade. Simplesmente ouvimos a alma e desfrutamos.
Numa viagem que fiz conheci uma jovem húngara que partilhava o mesmo gosto pela natureza, pelas montanhas e também pela introspeção. Ela confessou o seu desejo de caminhar nas montanhas mais sedutoras do mundo. Por capricho do destino ambas as conversas acabaram por se cruzar. Escrevo estas linhas após a descida do Mont Blanc, por ironia a montanha mais alta e enigmática da Europa. A motivação foi desfrutar o que cada momento tinha para me oferecer, pois este mundo vertical é enigmático, tal como é o que nos motiva a entrar nele... Os cenários são imprevisíveis, tanto quanto surpreendentes! E basta percorrer os cumes da Madeira para confirmar isso mesmo.
Contudo, se chegar ao cume é a cereja em cima do bolo, o que importa verdadeiramente é o bolo e não a cereja, como Paolo Cognetti magnificamente explica no seu livro “Sem nunca chegar ao cimo”. Esta parece-me a conclusão perfeita depois de provar o sabor quer do bolo quer da cereja.
Os desígnios deste mundo montanhoso são invencíveis, pois na luta homem/montanha, é a montanha que, a cada momento, decide quem lá entra.
A montanha gera o silêncio e nele podemos penetrar em uma saudável solidão quando dela precisamos. Nas altitudes o ar permanece purificado, mas lá também se esconde o perigo que desafia o nosso conforto e a nossa segurança.
É um mundo de auto-superação na busca por corpos mais saudáveis, por mentes mais limpas e por maior bem-estar pessoal. A atual popularidade é bem exemplificada pelo enorme sucesso dos recentes trails da Madeira e um pouco por todo o mundo.
A humanidade ocupou o litoral, os estuários e muitas planícies mas as montanhas, ao definirem-se pelo desnível, são ainda refúgio de vida e de muitos nichos ecológicos. Vivemos num mundo cada vez mais condicionado pelas máquinas, o que motiva muitos de nós a procurar a beleza do básico e a alegria da aventura, sem esquecer que a Vida é uma bênção. Assim seja!