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Atividades extracurriculares – uma faca de dois gumes

Vivemos numa sociedade que pressiona os pais a darem aos seus filhos toda e qualquer oportunidade e os envolverem em inúmeras atividades. Uma situação bem diferente da geração passada, quando as crianças estavam largamente entregues a elas próprias para organizarem o seu tempo livre. Faz parte de ser considerado um “bom progenitor”, entrar na competição de assegurar as melhores oportunidades aos filhos, resultando numa sensação de culpa parental para os pais que temem que os seus filhos possam perder algo se não forem incluídos em todas as atividades possíveis, não obstante todo o tipo de custo.

Com certeza, as atividades extracurriculares trazem os benefícios sociais, emocionais e académicos. A pesquisa confirma que as crianças mais envolvidas têm uma melhor autoestima, melhor aptidão verbal e matemática, maior sentido de propósito e mais baixas taxas de abuso de drogas e álcool. Também confirma que o desempenho académico inferior, abandono escolar de nível secundário e mais alta taxa de obesidade podem ser ligados à ausência dessas atividades.

Hoje em dia, os pais já não estão tão confortáveis em deixar os seus filhos com o tempo livre não supervisionado, uma vez que esse tempo frequentemente fica preenchido com atividades passivas, tais como a televisão, videojogos e vida “alternativa” nas redes sociais.

Para os adolescentes, essas atividades também têm a sua importância no evitar das atividades mais perniciosas, sobretudo quando os pais estão ocupados com o seu trabalho. Uma psicóloga clínica identifica as duas horas depois do fim das aulas como a altura do maior risco para comportamentos perigosos, como abuso de substâncias.

No entanto, a pletora de atividades em oferta torna-se, às vezes, numa dor de cabeça tanto para os filhos como para os pais: se bem que se pretende incentivar o desenvolvimento de talento e de esforço voluntário, certamente não se pretende tornar a vida numa corrida e rotina.

Ter uma vida estruturada tem os seus benefícios para as crianças, e as atividades extracurriculares integram essa estrutura. Mas quando é que o “possível” se torna em “demais”? Um especialista remete a algumas perguntas, as quais, respondidas negativamente, identificam o excesso. Há tempo suficiente para os trabalhos de casa? Há tempo para dormir 8 ou mais horas todas as noites? Há tempo para conviver com a família? Há tempo para passar com amigos?

Muitas vezes, ao ver a lista comprida de todas as possibilidades, os pais inscrevem os seus filhos em muitas delas, apenas para, passado pouco tempo, se aperceberem que esse apetite não foi nada realista.

O importante é ouvir a criança, entendê-la e identificar de que é que gosta mais ou para o que tem mais talento, dando-lhe o tempo e o espaço para pensar por si, ser criativa e aceder aos seus próprios recursos internos. Também é importante entender os seus limites. As crianças são todas únicas e respondem individualmente a diferentes estruturas de horários.

É interessante a definição de atividade extracurricular como “aprendizagem baseada em paixão”, ao invés da “obrigação de preencher o tempo livre”. A interação e o enlace social (“bonding”) são tanto mais altos quando se partilha uma paixão, em vez de uma obrigação!

Quando a criança verdadeiramente desenvolve o interesse e a vontade de continuar uma atividade com dedicação, é uma boa altura de a fazer entender o que é que a escolha implica, quais as repercussões na organização da vida diária, quais os eventuais sacrifícios, mas também quais os benefícios e proveitos potenciais.

Por isso, e com o intuito de encontrar um equilíbrio saudável na vida de toda a família, raramente será viável ter mais que uma ou duas atividades extracurriculares. Hoje em dia, estas atividades frequentemente têm precedência sobre o tempo familiar, potencialmente resultando em consequências mais negativas do que positivas.

Tudo isso apenas para consciencializar que, se a escolha eventualmente tenha recaído em artes, essa “paixão”, que bem pode significar “vocação”, exige uma particular atenção e acolhimento por parte dos encarregados de educação, pois, citando Jean-Jacques Rousseau, “A arte é uma flor a desabrochar; a sua fragrância enriquece a alma e traz beleza à vida”. E é isso, sem sombra de dúvida, que todos os pais querem para os seus filhos.