O ponto a que chegámos!
Desde a última vez que neste Diário escrevi, a política enveredou por uma montanha-russa de acontecimentos que têm desonrado a ilustre aguarela que moldava a imagem de uma Madeira civilizada, respeitadora e tolerante. Parece que ultimamente meia dúzia de sempre-em-pés fizeram questão de deitar por terra o legado democrático que sempre foi honrado, esvaecendo um conjunto de princípios representantes de um estádio superior de civilização ao alcance de muito poucos.
Uma prosaica oposição, que encarnou nas vestes negras que nem as vestes da inquisição, programada para exibir uma inenarrável teatralização suportada numa execrabilidade que rejeita as responsabilidades de uma arcaica e democrática cultura soberana na vida em comunidade. A tolerância substituiu-se pela discussão pessoal, em que os argumentos políticos se viram transformados em argumentos judiciais, e o resultados eleitorais subvertidos na cedência da maioria relativa à minoria absoluta. Ao que parece, nem isso será suficiente, o que poderá alvejar aqueles que numa solução vencedora votaram para, mais tarde, verem esse mesmo projeto político sucumbido aos alheios interesses partidários que nem suficientes foram para prosseguir caminho em plenitude de funções.
Beltrano culpa Fulano, e Fulano culpa Beltrano – esquizofrénica discussão em que todos brigam e ninguém tem razão. Há algo indesmentível; em Fevereiro não havia capacidade para a discussão do Orçamento Regional, porque o pedido de exoneração feito por Miguel Albuquerque implicava a demissão imediata do Executivo – Estatuto Político Administrativo da RAM, artigo 60º, nº1, al. b) – já que esta não carece de aceitação por parte do Representante da República, ao contrário do que acontece com o Primeiro-Ministro – em que o seu pedido de demissão obriga à aceitação do Presidente da República. Situação pela qual, ainda que Costa se tenha demitido em Novembro de 2023, foi possível votar o Orçamento de Estado para 2024 porque o pedido de exoneração feito em tal data apenas foi aceite à posteriori. Para os aprendizes de feiticeiro, eventual cenário deveria ter sido replicado na Pérola do Atlântico, só que bastava ler o Estatuto – tão sombrio quanto medieval – para coligir a incapacidade estatutária, democrática, constitucional e política que o Governo possuía para hipotética discussão.
Como se não bastasse, a demissão para os mais desatentos marrecos ocorrera em Janeiro, sendo a discussão do Orçamento no início de Fevereiro, tanto PS como CH – dizem-se tão diferentes, mas são tão iguais – rapidamente se apressaram a apresentar duas sacrossantas moções de censura, sendo ambas agendadas, pasme-se, para antes da discussão do Orçamento. O que significa que, se tais moções vingassem, o Governo, ao abrigo do artigo 62º, nº1, al. d) do estertorante Estatuto Político Administrativo, padeceria da condição clínica de demitido por tal aprovação.
Pondere-se que, caso nenhum destes episódios tivesse ocorrido, e a tão, agora, desejada votação do Orçamento fosse avante, querem os partidos da oposição, que hoje usam a ausência de Orçamento como arma de arremesso, fazer crer que o deixariam passar? Tamanha é a desconsideração pela inteligência do povo, que PS, JPP, CH, e IL rogam aos deuses para voltar atrás no tempo, mas sem nunca, nenhum deles, explicar que disponibilidade teria para concretizar análoga vontade. Porque se hoje centram o seu sentido de voto relativamente ao Programa de Governo, em função do protagonista que o personifica – que por acaso é o mesmo que apresentaria o Orçamento em Fevereiro –, dado o rebanho de suspeitas que em si recaem, com que descaramento bradam aos céus pela aprovação de tão apetitoso Orçamento nas condições políticas em que na altura a Região se encontrava. Não é plausível, nem tão pouco crível, que na situação mavórcia e belicista em que a política mergulhou – numa espécie de horda imprevisível –, houvesse condições políticas que assegurassem uma qualquer amásia para apadrinhar um Orçamento que se veio a saber de desejável adoção.
A crise política que foi desencadeada juntamente com os resultados eleitorais do passado dia 26 de Maio deveria ter sido uma oportunidade para todos aterrarem conscienciosamente na realidade e, com isso, procurarem soluções à margem da bolha prestidigitadora normalmente montada pelos Sherlock Holmes. A saída será penosa para todos, uns serão mais prejudicados, outros menos amalgamados, mas nenhum sairá intacto, e creio que nem melhor do que estão hoje. E restarão as planícies de dignidade e as ilhas de moralidade em que vários se autocolocaram, apoiados num pedestal suportado pela visão deles próprios em relação às suas pessoas, e que dali não sabem, mas querem, sair, tamanha é a queda que perspetivam de tão alto se consideraram.
Por fim, façam-nos um grande favor: deixem os proselitismos de parte... e entendam-se!