Basta Miguel Albuquerque querer para ter o levantamento da sua imunidade?
Miguel Albuquerque é arguido na investigação do Ministério Público na sequência da mega-operação que incluiu buscas da Polícia Judiciária na Madeira e no continente realizadas 24 de Janeiro passado, recaindo sobre o Presidente do Governo Regional suspeitas de corrupção, prevaricação e abuso de poder. Ontem, durante o debate do Programa de Governo, o deputado do Partido Socialista Victor Freitas voltou a desafiar o governante a pedir o levantar a imunidade para ser ouvido pelo Ministério Público. Mas está nas mãos de Miguel Albuquerque?
As imunidades parlamentares são prerrogativas conferidas aos deputados com vista a assegurar-lhes a protecção e independência necessárias ao exercício das suas funções, definiu Luís Barbosa Rodrigues no Dicionário Jurídico da Administração Pública. A imunidade visa “preservar dignidade e a independência do parlamento perante os outros órgãos do Estado ou quaisquer autoridades”, lê-se num parecer da Procuradoria-Geral da República datado de 2009, onde é deixado claro que um deputado à Assembleia Legislativa da Região Autónoma da Madeira “não pode ser ouvido como arguido sem autorização da Assembleia, sendo obrigatória a decisão de autorização quando houver fortes indícios da prática de crime doloso a que corresponda pena de prisão cujo limite máximo seja superior a três anos”.
Nos casos de acções de natureza penal, a imunidade protege os deputados de responder perante a justiça, a que teriam de responder caso não tivessem este estatuto, mas que terão de responder quando a imunidade for levantada, quer por decisão da Assembleia, quer por fim do mandato. É porque dentro das imunidades há dois tipos: as situações de irresponsabilidade que são de carácter absoluto, permanente e perpétuo; e as situações de inviolabilidade, de carácter limitado, provisório e temporário. Estas últimas traduzem-se na prática à “não sujeição dos deputados a detenção, prisão, mera audição (como declarante ou como arguido) ou julgamento por quaisquer outros actos, salvo nos casos especificados na Constituição ou na lei e com as formalidades nelas previstas”, diz o mesmo parecer da PGR.
O levantamento da imunidade parlamentar pode partir do próprio visado ou pode ser requerida pelo Ministério Público à Assembleia Legislativas da Madeira. Em ambos os casos terá de ter a aprovação do parlamento. Neste caso, não havendo um pedido do Ministério Público nesse sentido, teria de partir do próprio Presidente do Governo a iniciativa, o que só faz sentido quando o Ministério Público pretende ouvir o arguido, sublinhou o advogado Saldanha Cardoso.
Mesmo sendo requerida pelo Ministério Público, o parlamento pode recusar o levantamento da imunidade. No entanto, o parecer da PGR considera “obrigatória a decisão de autorização quando houver fortes indícios da prática de crime doloso a que corresponda pena de prisão cujo limite máximo seja superior a três anos”. No caso de o parlamento não autorizar o levantamento da imunidade, os prazos legais do processo são suspensos enquanto a imunidade se mantiver, o que pode acontecer por muito tempo se o visado for sucessivamente eleito.
Mas mesmo que a imunidade a Miguel Albuquerque fosse levantada na Madeira pela Assembleia Legislativa, o que não pode acontecer sem um pedido inicial do Ministério Público ou de Albuquerque, este ainda estaria protegido por uma segunda imunidade. Por se tratar do Presidente do Governo Regional, o governante goza da imunidade de membro do Conselho de Estado. Como Presidente do Governo Regional da Madeira tem assento neste órgão por inerência. Esta imunidade só pode ser levantada pelos membros do Conselho de Estado, presidido pelo Presidente da República.
“O Conselho de Estado pode também se pronunciar no sentido que se levante a imunidade ou que não se levante”, sublinhou Saldanha Cardoso. Mas lembrou: “O Conselho de Estado nunca autoriza é que qualquer conselheiro de Estado seja ouvido enquanto exerce funções, nunca aconteceu, penso que o Dr. Miguel Albuquerque não vai ser o primeiro”. O advogado explica que a imunidade parlamentar é uma coisa, e a imunidade referente aos conselheiros de Estado é outra, embora o princípio básico seja o mesmo. “A menos que o próprio requeira que lhe levante a imunidade, mas mesmo assim nunca aconteceu”. Houve um caso, referiu o especialista, em que um dos conselheiros requereu e o Conselho de Estado vetou. “Há aqui uma dupla protecção”.
Neste caso de Miguel Albuquerque, pode haver suspeita mas não pode haver acusação. O Presidente do Governo Regional já foi constituído arguido porque se apresentou formalmente para saber dos factos que lhe são imputado, explicou o especialista. Se não o tivesse feito, seria como António Costa, seria apenas suspeito. A partir daqui e enquanto tiver imunidade, "ele não pode responder”, esclarece Saldanha Cardoso.
Se na Assembleia Legislativa da Madeira no passado já aconteceu a imunidade ser levantada a deputados, quer por decisão do próprios, no caso de Coito Pita, quer por decisão dos restantes, nos casos de Lino Abreu e José Manuel Coelho, a imunidade nunca foi levantada ao Presidente do Governo Regional. Também ao nível do Conselho de Estado não há registo de a imunidade ter sido levantada a qualquer um dos seus membros.
Face a isto, é falso que o levantamento da imunidade esteja nas mãos de Miguel Albuquerque. Pode até partir dele a iniciativa, mas dependerá sempre da aprovação, da Assembleia Legislativa da Madeira e sobretudo, em última instância, do Conselho de Estado.