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Mais de 91% das vítimas de violência sexual na Igreja apontam "abuso de autoridade" do agressor

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Mais de 91% das vítimas de violência sexual no seio da Igreja Católica em Portugal consideram que houve "abuso de autoridade" resultante do estatuto do agressor, segundo os dados do relatório do Grupo VITA, hoje divulgados em Fátima.

Já a "confiança e familiaridade" foi reportada por mais de metade das vítimas (65,5%), bem como o recurso a estratégias de "engano, confusão, surpresa" (58,6%).

"De forma menos expressiva, identificam-se o 'aliciamento com recompensas' (afetivas, materiais ou outras) (21,7%), os 'comportamentos de duplo significado' (19%) e o 'aproveitamento da vítima na impossibilidade de resistir' (19%)", adianta o segundo relatório de atividade do Grupo VITA, criado pela Conferência Episcopal Portuguesa (CEP) e que entrou em funcionamento em 22 de maio de 2023.

Com base no testemunho de 58 vítimas atendidas presencialmente ou 'online' pelo Grupo VITA durante o último ano, a equipa liderada pela psicóloga Rute Agulhas concluiu que "na quase totalidade das situações (91,4%), a pessoa que cometeu a violência não reconheceu a agressão e não pediu desculpa".

Em cinco casos, a pessoa agressora reconheceu o seu comportamento abusivo e pediu desculpa à vítima, mas uma das situações decorreu de uma decisão judicial.

Dos contactos com as vítimas, o Grupo VITA obteve ainda a indicação de que "o agressor frequentemente utilizava a religião como uma ferramenta de controlo e justificação para as suas ações" e que "a intimidação e o medo eram métodos centrais para as manter submissas e em silêncio".

Além disso verificava-se "manipulação emocional", com o agressor a alternar "entre promessas de afeto e pedidos de desculpa para confundir e controlar as vítimas".

"O uso da religião como ferramenta de manipulação, não só confere uma falsa legitimidade às ações do agressor, como também aprofunda os sentimentos de culpa e a responsabilidade nas vítimas. Este tipo de abuso psicológico cria danos graves nas vítimas, ao manipular as suas crenças religiosas fundamentais, tornando-as mais vulneráveis e menos propensas a pedir ajuda", sublinha o relatório.

Para o Grupo VITA, "a intimidação através do medo do Inferno ou de consequências divinas cria um ambiente de constante terror psicológico. As vítimas, temendo a punição eterna, são forçadas a manter o silêncio e a submeter-se à violência, reforçando a sensação de impotência e desesperança".

"A manipulação emocional, por sua vez, confunde as vítimas e cria um aparente vínculo emocional que dificulta a resistência. A alternância entre violência e aparentes demonstrações de afeto cria um ciclo de violência que aprisiona as vítimas num estado de confusão emocional, dificultando a quebra desse mesmo ciclo", adianta.

O Grupo VITA apresenta ainda a relação dos principais motivos para a não revelação dos abusos aquando da sua ocorrência.

O medo generalizado (46,6%), o medo de não ser levado a sério (36,2%), o medo de possíveis consequências (22,4%) são alguns dos motivos, a que acrescem a vergonha sentida pelas vítimas (60,3%) e o sentimento de culpa sentido pelos abusados (34,5%).

A equipa de Rute Agulhas aponta, ainda, que "em termos de impacto a curto, médio e longo prazo, é possível identificar um conjunto de alterações físicas ou psicossomáticas, cognitivas, emocionais e comportamentais" nas vítimas, nomeadamente alterações nos padrões do sono, dificuldades/disfunções sexuais, alteração ao nível das crenças religiosas, irritabilidade/raiva, vergonha, medo, tristeza, culpa, nojo, desamparo e desconfiança.

O Grupo VITA, liderado pela psicóloga Rute Agulhas, surgiu na sequência do trabalho da Comissão Independente para o Estudo dos Abusos Sexuais de Crianças na Igreja Católica, liderada pelo pedopsiquiatra Pedro Strecht, que ao longo de quase um ano validou 512 testemunhos de casos ocorridos entre 1950 e 2022, apontando, por extrapolação, para um número mínimo de 4.815 vítimas.