As trapalhadas da Autonomia
1. É nos momentos de crise que se consegue ver do valor dos homens e das instituições. É como se a tensão e o desafio funcionassem como um filtro, separando o superficial do essencial, o transitório do perene. A estabilidade quotidiana frequentemente esconde fragilidades e máscaras reveladas apenas diante de dificuldades imprevistas.
Quando uma crise se instala, seja ela económica, social, política ou pessoal, as reacções são variadas e reveladoras. Homens e mulheres são postos à prova, e as suas virtudes e fraquezas tornam-se evidentes. A coragem, a integridade e a resiliência destacam-se como faróis no meio da tempestade, enquanto a cobardia, a desonestidade e o egoísmo mostram-se como sombras que minam a esperança e a solidariedade.
Da mesma forma, as instituições que, em tempos de bonança, podem parecer robustas e infalíveis, enfrentam o teste da sua real capacidade e propósito. Organismos construídos sobre bases sólidas de ética, competência e compromisso com o bem comum tendem a adaptar-se, inovar e a guiar a sociedade através da confusão. Por outro lado, as estruturas frágeis, corroídas pela corrupção, pela ineficiência e pelo descompromisso tendem a ruir, revelando a sua verdadeira natureza e deixando à vista a urgência de reforma e reconstrução.
Historicamente, as crises têm sido catalisadoras de grandes mudanças. Revoluções, evoluções, reformas significativas e avanços sociais emergem das cinzas de períodos de grande adversidade. As lideranças que se destacam nesses momentos são aquelas capazes de inspirar confiança, de tomar decisões difíceis e de agir com empatia e justiça.
Qualquer crise é um espelho que reflecte a verdadeira face da humanidade e das suas criações. É quando os ventos sopram mais fortes que se vê quem tem raízes profundas e quem apenas flutua. A capacidade de enfrentar crises com dignidade, sabedoria e coragem é o que define o valor duradouro de homens e instituições, mostrando que, mesmo nas piores tempestades, é possível encontrar luz e construir um futuro mais justo e resiliente.
2. O Orçamento da Região Autónoma da Madeira (ORAM) tem sido um ponto central de disputa política nos últimos meses. Tal como aconteceu no Continente, onde uma situação absolutamente idêntica se verificou, o Governo do PSD Madeira, possuidor de todas as condições e poder político, podia ter aprovado o ORAM em Fevereiro, como estava marcado. No entanto, decidiram não o fazer, criando uma crise orçamental muito pouco divertida, quanto útil para os seus interesseiros joguinhos políticos.
O PSD Madeira, astuciosamente, utilizou a falta de um orçamento aprovado como uma arma política contra o Presidente da República. O objetivo era claro: tentar condicioná-lo, na esperança de que decidisse não dissolver a Assembleia Regional. Criar um ambiente de instabilidade política só pode trazer vantagens para quem quer parecer vítima das circunstâncias que criou.
Numa demonstração de consistência, o PSD Madeira continua a utilizar o Orçamento como ferramenta de chantagem política. Agora, tenta transferir a responsabilidade da não aprovação do orçamento para os partidos da oposição. Esta é uma jogada clássica de “passar a bola”, desviando as críticas e tentando escapar ao escrutínio público.
A chantagem política exercida é reforçada pelas constantes notícias plantadas na comunicação social. Estes relatos, que mais parecem saídos de um manual de relações-públicas demoníaco, têm o único objetivo, repito, de diabolizar a oposição. Fazer papel de vítima enquanto outros são pintados como vilões é uma táctica infalível para desviar a atenção do facto de que o PSD é o grande responsável pela situação em que nos encontramos.
Sublinhemos o óbvio: a oposição tem todo o direito de não se querer comprometer com um programa de governo e um orçamento que não reflecte as suas visões e propostas políticas. Mesmo que, com fins meramente decorativos, o Governo tenha incluído algumas das suas propostas. Recusar, dizer não, é não só legítimo, mas essencial num sistema democrático onde, supostamente, a diversidade de opiniões é valorizada.
Se, anteriormente, o próprio PSD reconheceu que o governo demissionário não tinha condições adequadas para aprovar o ORAM, evitando meses de espera, é claro como água que, agora, exigir da oposição a aprovação de um orçamento que eles próprios não quiseram aprovar antes é, no mínimo, uma demonstração infantil de incoerência.
Além disso, o ónus da responsabilidade recai inequivocamente sobre o PSD, que não deu nenhum passo significativo para dialogar, quando era a si que competia fazê-lo. A abordagem de “pescar” ideias nos programas eleitorais de outros partidos, sem um diálogo prévio ou qualquer tentativa de negociação direta, é um claro sinal de falta de vontade de cooperação.
Em vez de se envolver num processo construtivo de troca de ideias e na busca de compromissos que beneficiem a Madeira na totalidade, o PSD prefere adotar uma postura de imposição e unilateralidade. Tal atitude não só enfraquece o processo democrático, como também gera um ambiente de desconfiança e divisão, prejudicial para a governabilidade e o bem-estar social. Ficar a falar sozinho não é diálogo, é monólogo.
A situação exige um debate político sério e uma reflexão profunda sobre a responsabilidade dos partidos neste momento que vivemos. O PSD Madeira tem de reconhecer a sua parcela de responsabilidade na crise política actual e trabalhar para encontrar soluções que beneficiem a todos, ao invés de persistir em tácticas de confronto e manipulação.
3. Numa primeira leitura do Programa de Governo, salta aos olhos que de reformista não tem absolutamente nada. É pouco melhor do que o apresentado e aprovado em Novembro do ano passado, na anterior legislatura. Salvo uns pozinhos perlim-pim-pim acrescentados por via de algumas propostas de outros partidos, continua a cheirar a mofo. Que fique claro que um PG não é para quinze dias. É um documento de grande importância na definição de caminhos e metas para um período de quatro anos.
O documento está repleto de contradições, promessas vagas e uma dependência excessiva de intervenções estatais, que contrariam os princípios da eficiência e racionalidade na gestão pública. O programa está cheio de objetivos grandiosos e promessas amplas, mas carece de clareza e especificidade nas suas propostas, pois muito raramente as concretiza. Muitos dos objetivos enunciados são genéricos e carecem de um plano de acção detalhado e concreto, como se exige. A introdução de ideias, sem a devida fundamentação ou estratégia clara, levanta questões sobre a viabilidade das mesmas e a seriedade com que foram formuladas. Não é de estranhar que todas as propostas provenientes de outros partidos estejam entre as menos explicadas, o que denota a ausência de diálogo com essas forças políticas.
Embora o documento defenda uma redução fiscal, e todos sabemos que poderia ir muito mais longe, insiste numa pesada intervenção estatal, típica de partidos de índole socializante. Esta abordagem contradiz o princípio de subsidiariedade e promove a dependência dos cidadãos em relação ao Estado, em vez de fomentar a autonomia individual e a iniciativa privada. A promessa de modernizar a administração pública parece pouco mais do que uma repetição da retórica habitual, sem um compromisso real com a redução da máquina burocrática.
Apesar de defender a criação de um sistema fiscal próprio e a redução de impostos, o programa não aborda eficazmente como compensar a potencial perda de receitas fiscais sem aumentar o défice público ou a dívida. Esta falta de equilíbrio fiscal sugere uma política inconsistente e potencialmente prejudicial para a estabilidade económica da Região. A proposta de reduzir os impostos, sem um plano claro de corte nas despesas públicas, é uma receita para o aumento da dívida e da carga fiscal futura.
O programa enfatiza repetidamente a importância da intervenção do Estado, mas falha em fornecer incentivos reais e robustos para o desenvolvimento do sector privado. Não há uma estratégia clara para promover a inovação e o empreendedorismo, elementos cruciais para o crescimento económico sustentável. O Centro Internacional de Negócios da Madeira é destacado, mas a sua eficácia depende de políticas estáveis e previsíveis, que parecem ausentes do documento. A insistência na dependência de fundos europeus revela uma falta de independência financeira que é preocupante.
Embora o programa prometa melhorias significativas na educação e na saúde, falta-lhe um plano claro e exequível para alcançar esses objetivos. A promessa de modernização, através da transição digital e da melhoria das infraestruturas, é vaga e não aborda as reais necessidades e desafios enfrentados por estes sectores. A ausência de uma estratégia clara para reduzir as listas de espera na saúde e para melhorar a qualidade do ensino sugere uma abordagem superficial e inadequada.
O Programa do XV Governo da Madeira é um documento cheio de promessas e objetivos ambiciosos, mas que peca pela falta de clareza, especificidade e viabilidade. A sua dependência excessiva da intervenção estatal, a falta de incentivos robustos para o setor privado e a abordagem vaga e inconsistente para a autonomia fiscal levantam sérias dúvidas sobre a sua eficácia e impacto positivo a longo prazo. Este programa continua a parecer um rol de intenções e não um plano de acção rigoroso e exequível, deixando os madeirenses com pouca esperança de melhorias reais e sustentáveis.